CAPÍTULO 42

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Eu ouvia o coração de Chimes, ela tinha dormido, acordado gritando e dormido de novo com uma sedação leve que Candid ministrou nela. Durante todo esse tempo, esses dois dias, papai, Noah, Quinze e até Peter me seguraram em um momento ou outro, mas eu acabava por abraçá-los, eu precisava ser contido, mas mais ainda de sentir que estavam comigo.
Ela não me queria por perto e aquilo era uma dor a mais no tormento em que eu estava. A culpa me corroía, e a tristeza por perder meu filhotinho me agoniava de tal forma que eu senti vontade de morrer. Era como se o mundo não tivesse mais nada a me oferecer, como se a minha vida não valesse mais nada. Que tipo de macho dorme enquanto seu bebezinho se esvai em sangue dentro do ventre de sua fêmea?
Eu me afastei de papai e fui até a janela, acho que o pior de tudo não era Chimes não me querer por perto, o pior foi o fato dela ter concordado comigo. Eu errei, eu dormi, eu falhei, mas ouvir ela dizer isso me matou. Eu precisava do perdão dela, ela não queria falar comigo.
Mamãe me abraçou por trás, eu me virei, me ajoelhei e descansei minha cabeça sobre os seios dela. Ela alisou meus cabelos para trás, eu a encarei, ela sorriu enquanto uma lágrima descia por seu rosto. Eu mergulhei nos olhos incomuns dela, eu não saberia dizer se estavam verdes ou azuis, mas foi nesse momento em que eu a senti como minha mãe. Eu demorei muito para chamá-la assim e quando comecei a chamar foi por carinho, por ela ser a fêmea do meu pai, mas a partir daquele momento em que os olhos indefinidos dela mostraram que ela realmente compartilhava a minha dor, ela se tornou Marianne, minha mãe.
Eu me levantei quando Chimes saiu do quarto no colo de Jericho, ele era como um irmão dela, afinal, primatas eram poucos.
Eu ia me aproximar, mamãe, apertou minha mão, me segurando eu baixei a cabeça, eles saíram.
"Adam, existem alguns papéis para você assinar, acha que está pronto?" Candid me perguntou, ele tinha os olhos duros, Chimes tinha dito que se Hon estivesse aqui, ele teria salvado nosso filhotinho, eu queria muito dizer que não era verdade, então eu acenei e o segui pelo corredor.
Chegamos numa sala, ele foi colocando os papéis na mesa a minha frente, mas eu tinha de falar:
"O que Chimes disse sobre..."
"Eu a entendo. Entendo se você pensar o mesmo, Honest era melhor médico que eu, sempre foi." Eu ergui meus olhos do papel com o jeito que ele disse. Candid disse 'era'. Eu me preocupei, meu coração, já machucado e ferido, doeu ainda mais.
E eu abracei os arrepios em minha coluna e o vi, em seu Laboratório Não Secreto Mais, como ele chamava tentando acordar Honest, ou o corpo de Doze, fazendo massagens em seu peito, até que um monitor apitou e ele se deixou cair exausto sobre o corpo. Eu ouvi a respiração do corpo de Doze, vi Candid o ligar a vários aparelhos enquanto lágrimas escorriam de seu rosto.
"Você viu?" Ele perguntou, eu assento.
"Hoje de madrugada?" Eu perguntei, ele sorriu de forma tão triste que parecia que era Simple ali.
"Você está ficando muito bom, reparou nisso?" Ele disse, eu dei de ombros.
"Ele está vivo, então?" Eu perguntei e segurei na mão dele, ele apertou.
"Ainda."
Candid respondeu, eu baixei os olhos para os papéis e comecei a assinar. Engraçado como meu nome, Adam Anderson, pareceu ser de outra pessoa, não o meu.
Quando papai nos reconheceu como filhotes, James recomendou que não mudássemos de nome por causa da fortuna que Anderson tinha deixado para nós, fortuna que foi logo triplicada por Grace. Pelo que eu sabia, eu e Noah éramos donos de poços de petróleo na Arábia Saudita, um lugar que eu nunca pisei. Eu e Noah nunca ligamos para dinheiro, mas Peter disse que se não fosse pelo dinheiro que Anderson tinha deixado, Andrew não teria ficado conosco.
Um papel em particular me chamou a atenção e eu o estendi para Candid.
"Autorização para estudo de órgãos? O que é isso?" Eu perguntei.
"Chimes ia completar um mês de gravidez, o feto já estava se formando. Há material para ser estudado, assim como a placenta e endométrio dela." Candid explicou.
"O... Existe um..." Candid virou as costas e saiu da sala eu o segui e chegamos no laboratório. Eu sorri para a técnica, ela me sorriu de volta.
"Eu sinto muito." Ela disse, eu balancei a cabeça.
Candid retirou um frasco de uma prateleira e eu dei um passo para trás. Um feto, muito pequeno, mas com perninhas e bracinhos, repousava no fundo do frasco, em meio a um líquido amarelado.
"Esse é o meu..." Eu engoli em seco e tive uma visão de Candid o lavando e colocando naquele frasco. As lágrimas vieram, Cam me abraçou.
"Eu sinto tanto!" Ele disse, eu me estiquei todo, ele me soltou.
"Ele não pode ficar aqui. Você entende, Cam? Ele não pode..." Eu comecei a soluçar, logo papai e Noah me abraçavam, eu olhei para a porta, mamãe estava lá. Eu beijei papai, beijei Noah e fui até ela.
"Eu quero que... Mãe, eu preciso que..."
"Chiii... Vamos preparar tudo. Você confia em mim?" Ela perguntou, eu a abracei com força.
"Sim, mamãe, eu confio."
"Então, vá com Noah para casa, tome um banho, se vista e fique ainda mais bonito que você já é. Depois iremos nos despedir de Enoch como se deve." Ela disse, eu sorri, mas acabei chorando mais um pouco.
"É por que eu tenho um nome bíblico? Eu acho que combina muito bem."
"Eu sou melhor em dar nomes que aquele grande leão rabugento, fique sabendo." Ela disse, papai a abraçou.
"Enoch foi tão perfeito aos olhos de Deus que Ele o tomou. Tão perfeito quanto meu netinho foi, nesses poucos dias que o tivemos entre nós. Enoch deve ser o nome dele." Ela disse, eu a beijei no rosto demorando para separar meus lábios da bochecha dela.
"Obrigado." Ela sorriu.
"Agora, vá com seu irmão. E fique bonito! Eu não tenho filhotes feios." Ela disse, Noah me guiou para fora do laboratório, fomos para casa que estava tão silenciosa! Eu nunca vi aquele lugar daquele jeito. Todos vieram e me abraçaram, Grace chorava muito, ela disse que sonhou que eu estava num lugar muito bonito, mas dava para ver que eu estava muito triste e que não tinha entendido antes.
"Não tem problema, mana." Eu disse, ela se afastou e Torrent a abraçou.
"Eu sei que não devia contar, mas eu não consigo guardar para mim, tio, então só vou dizer isso: três." River sorriu, seu sorriso travesso, eu baguncei o cabelo dele, eu não queria pensar no futuro agora.
"Eu não vi nada, me perdoe, irmão." Harrison disse, eu o abracei com força.
E eu saí para meu quarto, tomei um banho, quando saí havia uma calça preta e uma camisa também preta, eu vesti e Noah apareceu no quarto vestido como eu. Ele tinha soltado os cabelos, eu também estava com os meus cabelos soltos, parecíamos uma imagem duplicada, eu me senti um pouco melhor ao vê-lo. Eu nunca estaria sozinho, nunca.
"Será que vão avisar a Chimes?" Eu perguntei, ele assentiu.
"Sim." Eu engoli em seco.
"Eu não sei como vou olhar nos olhos dela." Noah apertou os olhos.
"Não foi culpa sua. Eu sei que ela está no início do processo de luto, mas o que estamos fazendo agora significa aceitar. Aceitar que Enoch veio por muito pouco tempo e se foi. Chorar por que não o conhecemos, que não o ouvimos rir e correr por aí. É sobre isso, irmão. Sem culpas, sem culpados. Você deve dizer isso a ela. Ela pode não aceitar, mas aí você só poderá esperar. E eu esperarei com você."
"Obrigado. Você é o melhor irmão que alguém pode ter." Eu disse, Peter abriu a porta e disse:
"Eu ouvi isso!" Ele fechou a cara, eu sorri.
"Era pra você ouvir mesmo." Ele me abraçou.
"O segundo lugar não parece tão ruim já que vocês são gêmeos e..."
"O segundo lugar é de Peace." Eu o informei, Noah começou a rir.
Saímos e haviam vários jipes parados na frente de nossa casa, Peter falou com alguém ao telefone, desligou e iniciou o cortejo.
Eu senti o cheiro dela, mas não quis me virar, logo estaríamos frente a frente.
E o lugar escolhido foi perto das terras de Lash, numa região elevada, numa bonita clareira. Eu nunca tinha ido lá, mas já haviam alguns túmulos, incluindo o de Hills e de Blue, que mesmo tendo sido cremados tinham uma lápide. Papai nos esperava segurando um pacotinho enrolado em gaze, eu cheguei e ele o passou para mim.
Eu segurei o pequeno embrulhinho, Chimes veio chorando até mim e eu o estendi para ela. Chimes o pegou e beijou várias vezes o passando pelo rosto, Jericho e Elizabeth fizeram o mesmo. Smile Two e Joshua também beijaram o pacotinho.
Chimes me olhou, nos olhos dela havia uma pergunta, eu entendi e assenti e daí Enoch foi passado de mão em mão, todos o beijaram, alguns sussurraram algo para ele, como Valiant, que disse que estava orgulhoso por conhecê-lo. Dusky o cheirou, Ann chorou muito o apertando em seu peito, piscou e deixou Quarenta e Dois se despedir também, ela começou a cantar uma canção antiga, uma de igreja, ninguém entendeu como ela poderia ter aprendido aquela canção, mas ela ainda cantava quando Enoch voltou aos meus braços.
Papai, Noah, Quinze, Rom e Peter cavaram a terra com as mãos e eu ia descê-lo, quando ouvimos um barulho e Honest com um lençol enrolado no corpo, o corpo de Doze, é claro, chegou correndo.
"Que porra de lugar longe! Eu sou primata! Primatas não correm como vocês!" Ele disse, colocou as mãos nos joelhos e ficou resfolegando. Todos o olhavam, eu fiquei um pouco triste por ver que era Doze e não Hon, mas ele dizia que foi o responsável pela gravidez de Chimes, então era justo que ele estivesse ali.
"Eu tinha de vir, o Honest pé nas bolas não me perdoaria se eu não viesse. Eu sinto muito." Ele disse, eu estendi Enoch para ele, uma lágrima rolou de seus olhos quando o pegou.
"Ele tem nome?"
Chimes me olhou, ela parecia não ter pensado nisso.
"Enoch. Minha mãe escolheu." Eu disse olhando para ela, seus olhos já cheios de lágrimas produziram mais lágrimas, mas ela olhou para minha mãe e sorriu.
"Um lindo nome." Ela disse, Doze beijou o pacotinho e me entregou de volta, eu o coloquei em seu berço de terra, todos o cobrimos.
Marble passou por todos, tocou a terra e uma linda roseira começou a brotar bem no lugar em que meu filhote estava, rosas azuis claras, pequenas, raras como ele.
Eu estendi minha mão para Chimes, ela colocou sua mão na minha, eu senti um alívio brotar em meu peito.
"Eu agradeço a presença de todos. Eu amo vocês, e não saberia dizer mais nada além disso." Eu disse, todos olhamos para Chimes.
"Eu também agradeço, eu não sou de falar muito, mas quero que saibam que ver cada um de vocês aqui me mostra que eu não estou sozinha, que eu posso realmente contar com vocês e isso me consola, consola muito. Eu... Amo cada um que está aqui e todos que não puderam vir." Ela disse, eu a puxei e começamos a andar numa direção qualquer, eu só queria ficar sozinho com ela, então fomos nos afastando ao som dos jipes sendo ligados. Honest perguntou a Valiant se havia comida na casa dele, Valiant trovejou que na casa do Grande Leão sempre haveria caça e comida boa diferente da casa de um tal Lobo Velho que ninguém conseguia comer o que ele preparava. Papai respondeu dizendo que cozinharia um monte de carne e enfiaria pela goela de Valiant se ele não calasse a boca.
Logo só ouvimos o som de nossos passos no chão de terra, íamos em silêncio, desfrutando da companhia um do outro.
"Enoch é um nome muito bonito. O que significa?" Ela perguntou, eu parei e me sentei num tronco caído. Chimes continuou de pé me olhando.
"Eu não sei o significado do nome, sei o que mamãe contou, que ele foi um humano que Deus recolheu para si, por amá-lo demais e por ele ser perfeito. Ou algo assim." Ela assentiu.
"Eu gostei." Eu sorri.
"Adam, você me perdoa? Eu fui..." Eu não a deixei continuar, eu é que tinha de ser perdoado, então a abracei.
"Não vamos por aí, Chimes. Não há o que perdoar da minha parte, eu é que tenho de pedir perdão." Eu disse, eu não queria que ela chorasse.
"Candid disse que isso é normal, que acontece com humanas e que não significa que eu não possa ter outro." Ela disse, meu coração disparou.
"Você quer..." Eu perguntei.
"Eu ainda sinto muita tristeza, então acho que não estou pronta para outro, mas eu preciso de você. Depois que você se foi, eu tive um sonho terrível e tive medo de te ver. Mas na casa de Jericho e Elizabeth eu senti sua falta de tal forma que eu iria atrás de você quando seu pai ligou. E o que você acabou de fazer, de me proporcionar a oportunidade de dizer adeus ao meu filhotinho, bom, isso mostra o tipo de macho que você é. Alguém que vale mesmo a pena amar." Ela disse, eu baixei a cabeça, ela ergueu meu rosto eu a encarei.
"Acho que eu ainda amaria mesmo se não valesse a pena." Ela disse, eu a puxei para meu colo e ficamos assim sentados, abraçados.
"Eu te amo, Chimes." Eu disse olhando para ela, não era a forma como eu esperava que seria quando finalmente dissesse isso, mas eu não poderia voltar do sepultamento do nosso filhote sem dizer isso a ela.
"Eu te amo, Adam." Ela disse, não houve beijo, eu só escondi meu rosto no pescoço dela e me inundei em seu cheiro.
Estávamos nos declarando, ainda que a dor nos castigava, nossos corações ainda sangravam, mas estávamos juntos.




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