CAPÍTULO 44

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Nove, por que eu ainda não tinha me acostumado a chamá-lo de Broad, terminou a parede e ficou perfeito. "Uma cabana grande! Que bom!" Eu tinha dito a ele, Broad sorriu me mostrando as imensas presas e eu sorri de volta.
Dois metros e quinze de altura, largo como uma montanha, musculoso, com ossos muito duros, muito resistente e com cura acelerada. E Quinze tinha estado aqui em casa de manhã, ameaçado ele e eu senti o cheiro de seu medo.
"Você tinha uma casa grande quando vivia entre os humanos? Por que eu gosto de ver aqueles programas de reformas, e as casas são tão grandes, mas às vezes os humanos moram nelas sozinhos." Broad me perguntou instalando a porta de entrada.
"Agora você tem uma porta." Ele disse sorrindo, eu sorri de volta agradecendo, mas não respondi a pergunta sobre a casa.
Eu me lembrei da casa onde cresci, a casa de meu avô, a casa que meu pai tomou da tia Grace, quando meu tio morreu. Ela, Ann, Marianne e Mariah tiveram de ir para abrigos. E Mariah doente.
Eu estava pensando muito nisso esses dias, o funeral do filhote de Adam mexeu comigo assim como mexeu com muita gente. Meu pai fez muito mal, eu o substitui e fiz mal também. E agora, minha casa estava abandonada, provavelmente teria sido tomada por algum banco. E eu não ligava, mas talvez Marianne ligasse. Ela poderia fazer a tal escola lá, quem sabe? Não, era muito longe, ela não poderia dirigir algo assim de longe. Mas não custava falar com James. Isso, eu falaria com James.
Fazia uma semana que o filhote de Adam foi enterrado e Creek não tinha aparecido. Candid estava de volta ao hospital, Honest também, ainda que Nove, ops, Broad, disse que não parecia ser Honest. Ela devia ter pedido para Candid cuidar da gravidez, depois do acontecido com Chimes, as duas tinham de ficar sob cuidado médico semanal. Ainda que a gravidez de Kit foi boa, ela não teve nenhum mal estar e Ann Sophie nasceu forte e saudável.
E assim minha participação nesse episódio da vida daquela linda e incomum fêmea estava terminado. Uma dor no peito me fez querer correr, eu corri, Broad, acertei o nome, me olhou, mas ele pareceu decidir que a parede precisava de acabamento e entrou na cabana de volta, eu corri ainda mais.
E cheguei no cemitério deles. Não era chamado assim, eles temiam tanto a morte que não havia nome para aquela clareira. Era num lugar alto, a grama estava bem cuidada, a mão de Ben se via ali.
O túmulo de Enoch estava em destaque com a roseira de minúsculas rosas azuis claras, a cor das rosas lembrava a cor dos olhos de Vengeance.
"Olhos diferentes." Eu disse baixinho. Tudo começou com essa notinha de rodapé em um diário encriptado, do cientista chefe de Mercille. Ninguém nem sabia o nome dele, papai disse que o chamavam de 'o chefe' e só.
Hoje, sabíamos que os tais olhos diferentes eram os olhos de Silent e Wide. Os outros eram muito parecidos a eles, mas tinham os olhos azuis. Silent podia parecer ter uma mente simples, até infantil, mas seu intelecto, se medido com o padrão certo, se mostraria alto. Ele podia compreender o funcionamento de tudo que tocasse, ainda que não se importasse com isso. Seus móveis eram uma prova disso, diziam que ele nunca usou uma fita métrica, ele calculava o tamanho das peças numa rapidez impressionante, as fazia e o caimento era perfeito, tudo sem usar réguas ou esquadros, só olhando.
Assim como Broad, acertei de novo! Ele construía as coisas sem os aparelhos de medição e alinhamento. Paredes perfeitas, acabamentos perfeitos. Eles eram gênios em suas áreas de atuação e seriam em qualquer área que quisessem. E só sorriam aquele imenso sorriso cheio de presas e dentes quando você dizia o quão geniais eles eram. E não ligavam para pagamento, Nove, ah, que pena, eu me esqueci, Broad, devia ter uma fortuna em alguma conta que James devia gerir.
E então tínhamos Wide. O temível Wide. Tão temível que ficou num hospital psiquiátrico matando médicos e técnicos, sem que fosse morto por isso. Por que bastava uma bala em sua cabeça e por que ele continuou vivo? A vida de Wide era um mistério e eu estava muito intrigado com isso. Samantha sabia dele, mas até ela não quis muito se envolver com ele, ainda que os clones gêmeos quando estavam sob o controle de Adriel, foram recrutá-lo.
Essa era outra história que não fazia sentido.
Adam era amargurado por tudo o que fez, ele sofria e acho que sempre sofreria. Ele matou a família de Megan quase toda, só sobraram Greg, ela e seus filhotinhos, Daniel e Rick. Mas Noah! Eu não acreditava piamente que ele realmente se arrependia. Um lobo em pele de cordeiro, isso era o que Noah era. Eu o conheci bem quando fiquei na casa Hoffmann. Por que Adam sofria sempre que se aproximava de Megan, já Noah sorria sem culpa alguma e jogava Rick para o alto.
Eu adorava Rick! Canino, com um ótimo faro e muito forte. Megan era primata, primatas eram muito altos, seus filhotinhos também seriam. Daniel era maior que Greg. Eles eram uns dos que roubavam os porquinhos da índia. Lash vivia indo às cidades do entorno comprar mais porquinhos, Mary tinha medo de Livie ficar triste por comerem os porquinhos da Índia dela. De todas as humanas que casaram com Novas Espécies de primeira geração, Mary, com sua fobia de animais era a mais incomum. Ela era doce, mas muito decidida e conseguiu domar um dos mais selvagens, era curioso isso.
Eu me sentei no chão. Solo sagrado. Eu gostava de ficar ali, a maioria das lápides não tinham o corpo de seus donos, eram apenas uma última propriedade, uma última posse, um quadrado de terra em seus nomes.
Eu olhei para a lápide de Honest, Valiant e Tammy no primeiro ano iam muito ali. Eu não estava na Reserva, Ben me contou. Eu passei as mãos e senti o frio do cimento, Honest estava em Criogenia e tudo o que tinham dele agora era um chip. Eu sorri pensando se os inimigos deles, aqueles humanos sem rosto, que estavam por trás de tudo, desde Max até Lennisworth, sabiam que o temido líder dos leãozinhos estava num chip.
Talvez. Havia um espião entre eles, um que não sabia que era um espião. Isso era o incrível da coisa. Um espião que podia ser qualquer um. Adriel antes acompanhava tudo dessa forma, Simple nunca soube quem era os olhos e ouvidos dele ali.
"Você está vindo muito aqui." Eu me surpreendi com a voz de Bravery as minhas costas.
"É um lugar de paz, você não concorda comigo?" Eu disse, ele ficou a minha frente.
Bravery! Eu nunca iria parar de me maravilhar com o que os cientistas criaram. E sem querer!
Ele foi até o túmulo de Blue e se ajoelhou. Eu desviei meus olhos, era um momento deles. Novas Espécies não podiam ser homossexuais como os humanos eram, mas tinham sua própria essência dessa particularidade. Eu não sei a história, mas havia um envolvimento entre ele e Blue. E Dusky vinculado a Ann! Ann era mãe dele! Eu balancei a cabeça, eles eram puros, mas também estavam sujeitos às armações do destino.
Da lápide de Blue, Bravery foi até a de Ann. Ele tinha os olhos dela, mas só se estivesse concentrado em seu dom. Normalmente seus olhos eram castanhos misturados com verde, assim como os de Thorment. Eu sorri, Simple era amado pelos dois irmãos!
Nessa altura já deve estar aparente o meu Hobby de agora, não é?
Eu estava fazendo as árvores genealógicas deles. Em segredo. Eu só revelaria quando terminasse e era um trabalho duro.
E é claro que seria um trabalho completo, o que significava elencar seus talentos e determinar como esses talentos surgiram. A furtividade de Bravery devia ter se originado das drogas que usaram no pai dele. Ele tinha morrido muito antes de Mercille ser derrubada, mas deviam haver anotações sobre ele. Thorment era peculiar a sua maneira, mas a cereja do bolo era mesmo seu meio irmão mais novo.
Eu o observei alisar uma pétala de rosa azul. Furtividade. Um talento que a primeira vista podia parecer simples, mas Bravery estava muito longe de ser simples. Ele podia anular seu cheiro e isso o tornava quase invisível ali, onde todos se orientavam pelo cheiro. Juntando seu faro espetacular e os ouvidos super sensíveis, ele era o espião perfeito. E Simple, aquele demônio o conquistou de tal forma que ele tomaria um tiro, quer dizer vários tiros de grosso calibre pelo dito leãozinho.
"Acha que existe mesmo um céu, Gabriel?" Ele se sentou ao meu lado, eu sorri para ele.
"Espero que não." Eu disse, ele riu.
"Você e Blue..." Eu perguntei, o bom de se conversar com Novas Espécies era que eles eram sinceros.
"Uma vez, ele e Dusky discutiram. O engraçado é que foi por que ele estava saindo cada vez menos para compartilhar sexo com as prostitutas. Dusky não acreditava que Blue podia mesmo se satisfazer só com o sexo com ele e o incentivava a procurá-las. E Dusky estava certo de alguma forma, mas Blue ficava irado quando Dusky falava." Ele começou a contar.
Esse era o problema com eles, o desejo estava muito condicionado a reprodução, eles foram feitos para se reproduzirem.
"E um dia, Blue foi no refeitório e começamos a conversar. Todos nós sempre fomos muito curiosos com a relação dos dois e eu... Bom, eu perguntei como eles faziam. Blue perguntou se eu queria ver em primeira mão, se é que você me entende." Eu entendia e assenti.
"E foi... Eu acho que nos uniu de alguma forma. E eu posso ter me apaixonado por ele, mas ele amava Dusky. Não deu certo."
"Isso foi muito antes da invasão?" Eu perguntei, ele balançou a cabeça dizendo que sim.
"Sim. Ele contou para Dusky, Dusky perguntou se ele queria que terminassem, Blue disse que não. Mas eu acho que a relação deles ficou diferente."
"E depois disso você continuou se sentindo atraído por machos?" Eu perguntei, ele deu de ombros.
"Acho que primeiro você tem de gostar, gostar de uma maneira especial e daí vem o desejo. E eu nunca mais gostei de alguém como eu gostei de Blue. Alguém macho, eu quero dizer. Eu gostei muito de Kit, mas ela nem deve se lembrar que eu existo." Eu sorri, Kit era uma alma boa envolvida numa felina com cara de vadia. Ela teria mudado?
"E eu, como qualquer outro daqui, acho Breeze incrível. Mas Wide a conquistou." Eu ergui as sobrancelhas.
"Tem certeza?" Ele riu.
"Simple não gostou nada. Inclusive..." Ele andou até um canteiro e tirou uma garrafa de lá. Uísque. Eu ri enquanto ele abria e tomava um longo gole. Ele me passou a garrafa e eu bebi, o líquido queimou a minha garganta e eu suspirei.
"Ele diz que você e a outra também vão ficar juntos." Bravery disse, eu quase caí para trás com o baque.
"Não, eu... Ela esteve aqui e nós passamos um tempo juntos, fizemos sexo e..." Ele sorriu e eu vi o porquê ele estava ali. Simple.
"O que ele quer?" Ele me passou um papel.
"Ele diz que se você fizer isso, Creek será sua." Eu bufei, Simple não tinha poder para fazer aquilo.
"O que você tem a perder?" Bravery perguntou, eu dei de ombros.
"Exato. Eu não tenho nada a perder."

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