CAPÍTULO 26

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Eu me sentei na pedra e apurei meus ouvidos, Lunna estava no hospital, eu conseguia ouvir o lápis dela riscando o papel.
Ouví-la era relaxante, ajudava a me focar.
"Focar em quê? Eu fiz a fórmula, não você, você é uma fraude."
Doze falou em minha mente, eu o ignorei, eu estava no controle e continuaria.
Na cabana, Adam e Chimes fizeram um barulho indicando que estavam gozando, eu suspirei. Estava feliz por Adam, feliz por estar envolvido em mais uma história de amor. Eu cresci fazendo isso, eu sou um romântico incurável.
"Você é um idiota." Doze disse, eu acabei rindo. Acho que o pior dessa situação era eu gostar dele e me sentir culpado por estar usando seu corpo.
Cam dizia que ele tinha morrido e que não era uma alma no chip, era um resquício de sua mente que estava se desenvolvendo, tentando tomar o controle. Porém, sem um chip, Doze acabaria morrendo.
"Isso é o que ele diz. Essa situação nunca aconteceu. Devolva meu corpo e se seu irmão estiver certo, eu morrerei, mas em meu corpo, como é meu direito."
Eu esfreguei os olhos e fiquei de pé sobre a pedra. Eu fiquei bem na beirada, meu corpo primata ficou instável, mas minha mente felina calculava todas as probabilidades e me conferia um equilíbrio perfeito.
"E se eu me jogasse daqui, Doze? Nem eu, nem você." Eu disse, mas Doze estava bem entranhado em meus sentimentos, ele nem se deu ao trabalho de responder. Eu não nos mataria, e ele sabia.
Lunna suspirou, se levantou e começou a juntar as coisas dela, alguma coisa caiu no chão e se quebrou. Ela disse um palavrão e eu ri.
"Eu prefiro a Dezesseis, ela é doce e tem um arzinho selvagem. Gosta de plantas, de correr e o pai dela é um desafio."
Eu balancei a cabeça. Cada pessoa tem uma percepção bem íntima do outro e eu tinha a minha particular de Lunna. E, para mim, ela era incrível! Eu já tive raiva dela, carinho, tesão e até inveja por ela ser a única filhote dos pais dela.
Lunna era uma fêmea simples. Muito inteligente, mais que eu, mas que vivia de forma ordeira e até sem graça, sem grandes emoções. Nada de viajem a Inglaterra para trazer uma fêmea fujona de volta como Violet fez, ou nada de missões perigosas na força tarefa como Daisy. Lunna era a pessoa que te servia carne depois de uma aventura e ficava quieta ouvindo tudo, totalmente interessada no que você iria contar. Ela ouviria e colocaria o grau de dificuldade do que você fez numa estatística. Você a chamaria de chata se ela provasse que não foi tão difícil assim, ou ficaria ainda mais apaixonado se ela provasse matematicamente que o que você fez foi quase impossível de se fazer. E como estatísticas poderiam ser manipuladas, você sempre ficaria desconfiado se ela estava te bajulando ou se estava sendo sincera, mas a inteligência de Lunna me incitava a ser o melhor que eu podia.
"Está tentando me fazer gostar dela? Por que só a estou achando mais chata do que achei quando a conheci." Dessa vez eu ri alto. Qualquer um que me visse ali naquela pedra rindo me acharia um louco.
"Você a queria. Muito." Eu disse e uma onda de raiva e desejo passou por mim.
"Ela é gostosa, todas são."
Eu bufei. Lunna era boa, isso era o melhor nela pra mim. Ela tinha uma mente aberta e não tinha preconceitos. Candid vivia contando que nós trocávamos para os outros e os fazendo esquecer depois, ele dizia que ajudava a entender por que fazíamos aquilo, então, uma vez, eu contei para ela.
E foi nesse dia em que eu me apaixonei. Foi anos depois do episódio na ilha, quando ela me deu as costas, nua, com aquela bunda empinada me provocando, voltou para a água e foi embora. Aquilo, vê-la tendo sido humilhada e rejeitada por mim e ainda assim ter continuado com o queixo erguido, me tocou. Rejeitar e humilhar alguém, ainda mais alguém de quem se gosta é horrível. Dói. E eu decidi não fazer mais isso nem com quem eu gosto, nem com alguém que eu não gostasse.
Foi a vez de Doze bufar.
"Na medida do possível, Doze." Eu disse.
"Então você contou a idiotice que vocês faziam para ela. E..."
Eu o deixei em suspense por um tempo, mas acabei me lembrando daquele dia.
Eu estava namorando com Elsie, então estava confortável em ir na casa de Lunna, em passar um tempo com ela. Eu fui, afinal ela estava como sempre estudando no jardim da casa dela, um jardim meio pobre se fossem me perguntar, era basicamente um pedaço de terra cheio de grama. Ela sorriu e eu suspirei, ela era tão linda! Eu adorava os olhos escuros dela. Eram diretos, francos, leais. Eu me sentei perto dela, ela estendeu sua mão para mim. Uma mão quente e forte. Lunna era alta como as outras e era forte, mas sua postura era delicada, talvez pelas feições do rosto ou pela calma que ela exalava. Ela sempre pensava bem antes de dizer uma coisa e fazia isso sem se deixar levar pelos próprios sentimentos, Lunna tentava sempre ver a motivação e o por quê do outro, ela era racional.
E quando eu contei a ela o que eu e meus irmãos fazíamos quando éramos mais novos, ela me encarou e assentiu. Ela viu sentido no que fazíamos e riu de algumas vezes em que eu coloquei Candid ou Sim em alguma enrascada. Eu sempre me senti inferior a Sim por causa do faro e de Cam pela inteligência, isso me fez me dedicar ainda mais e Lunna entendeu isso. Ela deduziu que o famoso franzir de nariz era eu que fazia, eu franzi o nariz, ela riu. Eu fui eu mesmo com ela, mostrei meus erros e defeitos e ela sorriu. Mas é claro que ela me perguntou se eu era Simple no episódio da ilha. Eu baixei a cabeça e disse que sim. Eu esperava que ela fosse gritar comigo, mas ela sorriu. E agradeceu. Disse que não gostou das minhas palavras, que eu tinha sido muito duro, mas me agradeceu por eu não abusar dela. Por eu ter dito que ela era só uma filhotinha boba. Por eu tê-la mostrado que ela não era a filhote incrível que todos diziam que ela era. Eu a puxei e beijei, foi o primeiro beijo dela, quando a soltei, ela ainda ficou com os olhos fechados, sentindo o beijo, se maravilhando com as sensações. Era só um beijinho!
"Não foi só um beijinho. Beijar uma fêmea especial nunca é uma coisa simples."
Não era. Eu a fiz esquecer e fui embora, com aquela imagem dela com os lábios entreabertos e os olhos fechados na minha mente. E eu voltei para a faculdade, para Elsie. Mas eu e Elsie nunca mais poderíamos dar certo depois disso, eu ainda insisti por que com Elsie era fácil, era quase uma amizade com sexo.
Já o que eu senti com Lunna, num único beijo foi muito forte, muito intenso. E daí...
"E daí você fodia as outras pensando nela. E era só vir pra cá e foder ela. Mas não, você se afastou. Típico de vocês da segunda geração. Bishop tinha uma ou outra teoria sobre vocês."
"Não somos simples como os de primeira geração, todo mundo sabe disso." Eu disse encerrando o assunto. Tinhamos de ir para a casa de Nove, o pai. Adam e Chimes já tinham comemorado o suficiente.
"Eu tenho de receber os dez mil dólares do seu irmão."
"Cam não tem dez mil dólares. E eu vou dizer que não precisa pagar nada."
"Não foi você que apostou, nem foi quem ganhou a aposta."
Eu sorri. Eu estava no comando.
Eu bati na porta, Adam pediu um momento, eles abriram, a cabana estava uma bagunça, Adam tentou recolher algumas coisas do chão, eu disse que ele deixasse assim, ele deve ter tido uma visão de Simple puxando os cabelos por causa da minha bagunça, pois ele riu e eu ri com ele. Chimes o encarou, ele balançou a cabeça. Ela o beijou.
Chimes era um pouco parecida com Lunna, era calma e inteligente. Uma outra, chata, iria exigir saber do que eu e Adam rimos, ela só sorriu, feliz por Adam estar feliz.
Nós saímos, a casa de Nove, o pai, não era longe, ele provavelmente devia ir na Reserva algumas vezes. Nove vivia enfurnado trabalhando nas obras de Honor, era só ir num lugar distante do que ele estava, e quem o visse andando pela estrada pensaria que era o nosso Nove.
Quando entramos na casa, as outras equipes estavam lá, incluindo Noah que também era da nossa. Os irmãos se olharam, Adam se esticou todo, Noah esperou, os olhos de Adam ficaram distantes, Adam piscou e o abraçou. Noah era o segurança da nossa equipe, assim como Gift era o da equipe de Cam e Bravery o da equipe de Sim.
"Ok, ok, se soltem, não é como se não pudessem se abraçar depois." Cam disse de mal humor. Gabriel parecia bem satisfeito, eu ergui as sobrancelhas para ele, ele acenou.
Empate.
"Que porra!" Doze rosnou em minha cabeça, eu decidi perguntar depois por que um Nova Espécie que morreu numa caçada a anos atrás precisava de dez mil dólares.
"Deve haver uma forma de desempatar." Candid disse.
Eu estava feliz por ter conseguido e só. Eu me aproximei de Sim e o abracei apertado. Ele me apertou de volta e sussurrou um 'eu te amo' no meu ouvido. Engraçado que eu senti que não era só pra mim que Simple dizia aquilo.
"Seu irmão tem muito amor no coração, ele conseguiu tocar minha essência, o que significa que eu também amo ele. Não gosto de você e nem do outro, que isso fique claro."
Eu ri, todo mundo olhou pra mim, eu dei de ombros.
"Talvez fosse interessante o vencedor for o que tiver contribuído para o nascimento de uma fêmea, uma vez que elas continuam em menor quantidade entre seu povo." Gabriel disse, eu ergui as sobrancelhas, Cam concordou:
"É mesmo! Quem conseguir uma fêmea ganha!" Eu olhei para Sim, ele negou com a cabeça.
"E o fato de Ann Sophie e Flora serem fêmeas não tem nada a ver com isso? Você já tem certeza de será uma fêmea." Ele disse, Creek abriu um imenso sorriso.
"Não estamos competindo. E sim, Gabriel me disse que será uma fêmea." Ela disse, Gift assentiu.
"E se a equipe vencedora for a do filhote que nascer primeiro?" Gift disse, Cam sorriu.
"Isso. O filhote que nascer primeiro vence."
"Eu gosto da idéia de que meu filhote também faz parte da equipe." Breeze disse sorrindo e alisando a barriga.
Nove baixou os olhos, Nove, o pai, não estava.
"A gestação de uma fêmea é mais curta, Rubi nasceu de quatro meses e três semanas." Simple disse.
"E Sunny nasceu de quatro meses." Eu contribui. Todos acenaram, Simple sorriu.
"Que se foda, deu empate. Vou fazer alguma coisa pra gente comer." Cam disse indo para a cozinha.
Adam sorriu e disse que não via a hora de contar para o meu tio que ele seria avô mais uma vez, então ele jogou Chimes no ombro, ela riu e saíram correndo.
"Tudo bem, ele jogar ela no ombro?" Noah perguntou pra mim.
"Ela pode vomitar nele, mas só." Noah me abraçou e sussurrou no meu ouvido:
"Peça o que quiser, a qualquer hora, seja o que for e eu farei. Obrigado."
Noah se foi, Cam veio com a comida, Gabriel também se despediu e saiu junto com Gift.
Nós comemos enquanto Breeze e Creek falavam de bebês, elas estavam empolgadas, Bravery tinha um olhar estranho para Nove, Nove, como o macho bonzinho que era, desviava seus olhos dele. Se fosse Nove, o pai, a cabeça de Bravery estaria correndo um sério risco de ser arrancada. Eu comecei a me sentir cansado.
"Hon, tudo bem?" Simple perguntou, eu sorri.
"Sim, eu estou bem, eu estou feliz."
Eu fechei os olhos, acho que foi Nove que não me deixou cair.

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