CAPÍTULO 43

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Eu, papai e mamãe voltamos em silêncio para casa, mamãe segurava na mão do meu pai de uma forma diferente. Ela não era a terapeuta ali, ela era a fêmea que sustentava seu macho, a que consolava e a que lhe transmitia força.
Por que papai estava muito abalado. Todos estavam, mas faziam alguns dias que ele chegou em casa com um sorriso enorme no rosto, falando muito alto e muito elétrico. Eu e mamãe rimos muito dele, ele disse que tinha sido sorteado para lutar com Jericho pela honra de ser padrinho do filhote de Adam.
Eu e mamãe quase caímos da cadeira de tanto rir quando ele disse que Adam nem sabia disso. Era tudo por causa de uma história entre Slade e Vengeance. E eu não sei como, mas papai chegou em casa com um programa de treinamento para ficar mais forte e assim nocautear Jericho.
E agora não havia mais filhotinho.
Quando o pacotinho minúsculo chegou até os braços de papai ele chorou muito e disse que teria muita honra em ter sido padrinho dele, mamãe se desmanchou em lágrimas e sussurrou que sentiria saudade de tudo o que Enoch e ela poderiam ter feito e que agora ficaria apenas em sua imaginação. Ela também se despediu dizendo um 'Adeus, meu afilhado', ao que o tio Vengeance assentiu de longe.
E agora, assim que chegamos em casa, os dois me beijaram e subiram as escadas.
E eu só conseguia pensar em Honest chegando correndo enrolado naquele lençol. Não parecia Honest, ele nunca diria os palavrões que disse num funeral, ainda mais num de um bebê.
Mas é claro que meu coração disparou quando ele me olhou, um segundo antes de entrar no jipe de seu pai. Não era o mesmo olhar, mas foi um olhar diferente.
Eu suspirei e subi no jipe de novo. Eu já tinha tido paciência demais.
Eu comecei a dirigir me lembrando da conversa com Candid, a conversa em que ele me pediu que me afastasse. Honest não era Honest mais, a mente de Doze estava tentando o controle e ele não precisava de mais stress.
Eu não aceitei de pronto, mas senti o cheiro de Dezesseis nele num dia no hospital e isso me desanimou e eu me afastei. Dezesseis era linda e exótica com aqueles olhos azuis e aquela doçura e eu vi como ele olhou para ela naquele dia em que acordou.
Tudo isso passou pela minha cabeça enquanto dirigia até a cabana. Honest e Doze além de brigarem pelo controle do corpo também brigariam por Dezesseis? E eu ficaria esquecida?
Eu desci do jipe olhando em volta, tudo estava tão limpo e organizado que por um momento pareceu a cabana de Simple. Eu ouvi um barulho e entrei, Candid empurrava uma estante de uma parede a outra.
"Oi?" Eu chamei, ele se virou e sorriu.
"Dá pra ver que está torto?" Ele me perguntou, eu ri e me afastei um pouco.
Eu olhei bem e reparei que a estante estava perfeitamente alinhada.
"Acho que não é possível que fique torto, a estante é perfeita." Ele fez que não.
"Considere a quina da parede." Ele tocou em meu rosto bem de leve, direcionando meu olhar, seus dedos estavam quentes. Ele era Nova Espécie, teria os dedos quentes, nada demais.
Eu olhei a união das paredes e vi que a estante estava bem mais para o lado esquerdo do que o direito e que a parede era torta.
"A parede é torta." Ele sorriu. Simple era um afixicionado por alinhamentos e organização.
"Simple ainda demora para voltar, Cam." Eu disse, ele baixou os olhos.
"É, todos me dizem isso. É só que fazer essas coisas me fazem sentir que ele está mais presente. E Bravery vive espionando aqui para ele, eu não duvidaria que Bravery entrasse aqui e contasse que a estante está fora do lugar." Ele disse, mudando os livros da estante de lugar.
"Acha que Bravery vai saber que os livros estão fora da ordem alfabética?" Eu perguntei.
"Acha que Bravery sabe ler?" Ele perguntou com seu costumeiro sorriso debochado, eu comecei a rir.
Não de Bravery, ele era de primeira geração, é claro que ele saberia ler, mas do jeito que ele falou.
"Isso parece engraçado para você?" Eu olhei para a porta, um Bravery muito puto nos encarava. Eu olhei para Candid, Candid continuava com o sorriso de deboche.
"Ela está rindo, isso significa que sim, que foi engraçado." Bravery me encarou, eu fiquei tão sem graça que só pude me desculpar:
"Me desculpe, Bravery. Eu não ri de você, eu ri do jeito que Candid falou. Você sabe ler, não deveria..." Ele baixou os olhos e eu olhei para Cam, ele aumentou o sorriso.
"Seu irmão me mandou te entregar isso." Ele colocou um papel na mesa da cozinha e saiu da cabana.
Eu olhei confusa para Candid, Candid suspirou.
Ele abriu o papel, leu e rasgou em pedacinhos.
"Ele sabe ler, não sabe?" Eu perguntei, Candid deu de ombros, eu deixei isso pra lá, afinal ele ser um oficial de Fuller e estar ali significava que Simple tinha um jeito de se comunicar com seus irmãos e isso era...
Nada demais. Haviam telefones em Fuller e Simple tinha acesso a eles, ele tinha me ligado uma vez, no meu aniversário. Eles concediam minutos para os presos que tivessem bom comportamento.
"Honest está em nossa casa, pode encontrá-lo lá, eu tenho de ir." Ele disse saindo, eu consegui segurar na barra da camiseta azul dele.
"Ele ainda está dividido?" Eu perguntei, Cam baixou os olhos.
"Não. Agora ele é apenas Doze, mas não gosta de ser chamado assim, ele diz que seu nome é Honest. Será o primeiro caso em nosso povo de nomes repetidos. Até ele morrer, claro." Eu arregalei os olhos, por que eu entendi. Eu iria morrer um dia, Candid iria, todos iriam, mas seus olhos dourados totalmente opacos e sem brilho diziam que Doze não demoraria a morrer.
"Quanto tempo?" Eu perguntei, Candid se sentou numa cadeira e segurou minha mão.
"Tivemos de tirar o chip da cabeça dele, mas ele não tem como comandar sua mente de forma satisfatória, ele morreu, Lunna."
Eu apertei a mão dele, aquela história dos Chips ia contra tudo o que eu acreditava. Como colocar uma 'alma' dentro da mente de outra pessoa? Isso sem levar em conta todo o estrago que a tal Samantha fez usando a mente de Livie e por tabela as capacidades dela. Eu achava tudo muito errado, mas se fosse para Honest não morrer...
"E Honest?" Eu perguntei, Candid pegou um botão e colocou em minha mão, o botão estava quente.
"Quer guardá-lo? Eu acho que ele gostaria que ficasse com você." Eu passei o pequeno botão de uma mão a outra, meu coração doeu.
"Hoje é realmente um dia muito triste, Cam." Ele sorriu.
"Que tal nos consolarmos?" Eu bati no ombro dele, ele segurou minha mão.
"Eu estou falando sério." Eu me levantei da cadeira e dei um passo para trás. Ele balançou a cabeça.
"Honest pode ter se apaixonado por você, mas não se vinculou. Simple se apaixonou por Cassie, por Bronzy, por Livie, por Flora e por mais quantas outras que aparecerem, acha que Hon é muito diferente? E não esqueça a doutora Mônica e Elsie. Você a viu, não foi? Viu a pele linda dela, negra, perfeita? Viu os cabelos compridos?" Eu fechei os olhos.
É claro que eu tinha visto Elsie. Ela veio ao nosso hospital algumas vezes, cortesia de Florest.
Candid ficou parado olhando para mim, examinando minhas reações.
Ele fez aquilo procurando me desestabilizar, ele falou de Simple, contou coisas que eu não sabia, como o fato dele ter gostado de Livie e Flora, e usou o nome da doutora Mônica, dizendo que Honest já gostou dela. E funcionou, eu não sabia o que dizer quando abri a boca, então fechei de novo.
"Ainda assim, nada me faria compartilhar sexo com você, Candid Maximillian North, ainda mais para curar uma tristeza tão grande como a de hoje." Eu disse o nome todo dele para frisar bem que eu estava me dirigindo a ele.
Ele assentiu, se levantou e saiu da cabana em silêncio. Seus ombros estavam curvados, ele parecia carregar o mundo nos ombros e eu senti pena dele. Eu corri para fora ele se virou e eu vi que iria me xingar, então eu fui logo falando:
"Por que eu não posso só te abraçar? Por que te dar um pouco do calor, sem luxúria, sem lascívia, só com carinho e ternura não é suficiente, Cam? Por que eu faria. Você parece tão triste e desanimado, em seus olhos não há mais o brilho que havia, eu sinto tanto por isso! Por que não me deixa tocar seu coração com a minha amizade?" Eu perguntei, ele voltou para mim eu o abracei, ele escondeu seu rosto em meu pescoço.
"Por que há algo em você, Lunna. Eu não sei o que é, mas fez Honest se apaixonar, fez Simple se apaixonar e eu não. Eu nunca amei ninguém. Eles amaram tantas fêmeas e de tantas formas, mas eu não. E isso dói." Ele disse, eu o apertei em meus braços, ele colou seu corpo no meu e eu senti sua ereção. Eu me afastei.
Ele sorriu.
"Meu coração e meu pau são coisas diferentes." Eu comecei a rir, ele riu também, até que tocou meu rosto, eu parei de rir.
"Acho que é por que você é comum. Ou sem graça. Eles são extraordinários, então se apaixonaram pelo oposto."
Eu sorri.
"Eu sou quem sou, Cam. Nem mais nem menos que ninguém e estou muito bem com isso. Eu sei quem eu sou, eu me conheço e sim, estou sempre tentando alcançar mais conhecimento, não para saber mais, mas por que eu sei que nunca vou saber tudo. Essa sou eu." Eu disse, ele beijou meus lábios de leve, se afastou e disse se despedindo:
"Cuide bem do meu irmão." Eu coloquei o botão sobre o coração e assenti, ele foi embora.

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