CAPÍTULO 28

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Gabriel mediu a circunferência da minha barriga, não tinha mudado nada ainda, mas ele disse que precisávamos de um ponto de partida, então eu deixei. Ele passou a fita métrica, seus dedos estavam quentes ainda que ele me tocou o mínimo possível.
Uma semana! A primeira semana do resto da minha vida, tudo estava mudando, eu ficava às vezes sorrindo sozinha de tão feliz que eu estava.
"Teve algum vômito? Náuseas? Tonteira?" Ele perguntou, eu neguei com a cabeça. Ele assentiu, muito sério, eu acabei sorrindo.
"Isso é bom, não é?" Eu o olhei nos olhos, seus olhos estavam frios, estranhos.
"Sim, Creek. Isso é bom."
"Notou alguma fome anormal, alguma dor ou desejo intensificado?" Ele perguntou, sua voz calma e sedosa inflexível, fria.
"Eu... Sim, eu tenho sentido vontade de compart... De fazer sexo, mas nada demais." Ele assentiu.
"É normal, são os hormônios. Vontade de chorar também?" Ele perguntou enquanto contava meus batimentos, eu balancei a cabeça ele não viu e me encarou.
Não havia nada nos olhos dele, nada. Eu me senti estranha, desconfortável, eu queria que ele estivesse mais animado, ele conseguiu!
"Você disse que me dar uma filhotinha iria te ajudar a não se sentir um monstro, mas parece que não ajudou." Ele juntou as coisas e colocou de volta numa maleta, estávamos no laboratório Não Mais Secreto de Candid, ele foi até uma prateleira e guardou a maleta
"Não, Creek, não ajudou. Na verdade..." Ele me olhou no fundo dos meus olhos me fazendo mergulhar naquele céu de verão que eram os olhos dele e eu vi desejo lá. Eu vi que ele sufocava esse desejo e aquilo me aqueceu.
Mas ele era quem era e eu era como uma irmã de Kit. Eu nunca ia esquecer.
"Não." Eu disse quando ele deu um passo na minha direção, ele assentiu.
"Eu concordo, Creek. E eu devo acompanhar sua gravidez, não podemos esquecer de Halfpint. Então, talvez até Candid ou Honest voltar, você poderia vir nas consultas acompanhada? Eu ouvi que todos na Reserva estão em êxtase com as gravidezes de vocês três." Ele disse, eu concordava.
"Gravidezes?" Eu disse, ele sorriu.
"Não é a palavra correta?" Eu sorri e logo estava rindo da cara curiosa dele.
"Se você disse, deve ser a palavra correta, você parece um dicionário ambulante." Ele riu e eu o encarei.
"Eu queria que as coisas fossem diferentes." Eu disse e era verdade.
"Você não me conhece, Creek. Não há como as coisas serem diferentes." Eu não tinha como contestar, então fui embora. No caminho decidi passar na casa de Halfpint, ela estava na cozinha, Flora estava no quarto.
"Oi, querida! Quer cookies?" Halfpint me beijou, eu sentei à mesa da cozinha dela e comi alguns cookies, estavam muito bons.
"E como está se sentindo?" Halfpint perguntou me olhando bem nos olhos eu dei de ombros.
"Feliz. Às vezes eu me sinto tão feliz que quero chorar, mas chorar parece triste e então eu sorrio ainda mais."
"Eu estou feliz por você, Creek. Eu sempre gostei de você e se há uma de nós que merece ser mãe essa é você. E agora você vai ser!" Ela sorriu, Ben apareceu na cozinha sorriu pra mim e beijou Halfpint na boca de um jeito muito quente.
"Jura que vai voltar ainda hoje?" Halfpint perguntou para ele, Ben a beijou de novo.
"Eu vou tentar. Só que eu não acho que Flora vai ficar bem lá, mas ela é tão teimosa! Eu não vou voltar logo que chegar, meu amor." Ele disse, Halfpint o abraçou. Ben era um humano muito bonito, Flora era uma mistura dos dois. Ele poderia ser considerado alto entre os humanos, devia ter um metro e oitenta de altura, mas para nós, ele era pequeno. Eu era mais alta que ele.
Flora parou na entrada da cozinha com uma carinha triste, eu fui até ela e a abracei.
"Você fica com a mamãe até o papai voltar, tia?" Ela perguntou, eu abri um grande sorriso.
"Podemos chamar Rusty e Christmas. Ou outra se você quiser." Eu disse para Halfpint, ela sorriu.
"Ben, está tudo pronto? Ou posso ter uma última conversa com a minha filhotinha?" Ben a beijou e disse que estaria esperando no jipe.
"Mamãe! Eu já disse, eu não vou ficar aqui. Eu quero ficar com a vovó e o vovô." Flora disse, Halfpint balançou a cabeça.
"Me diga por quê, Flora. Me diga com sinceridade e você vai." Flora balançou a cabeça e me olhou pedindo ajuda.
"Tanto sua mãe como eu não entendemos como você pode fugir de seus problemas, querida. Nós não fugimos, nós enfrentamos. Eu entendo que você deva pensar diferente, mas não nos peça para aceitar." Eu disse, mas no fundo eu me senti meio hipócrita. Por que eu podia ter encontrado um humano e agora não estaria me sentindo estranha, me sentindo uma traidora da minha espécie, mas Gabriel estava ali e eu engravidei dele, mesmo sabendo  como eu me sentiria. Eu estava mal.
"Eu não estou fugindo, mamãe. Eu só preciso de um tempo. As coisas não são fáceis pra mim, eu sinto tudo muito a flor da pele e me exponho muito. Simple me humilhou e doeu. Eu não posso fazer essa dor sair do meu coração e alcançar os outros, a dor é minha." Ela disse e imediatamente eu senti o que estava me incomodando. Eu estava chateada e triste.
"Pois eu prefiro dividir sua dor com você do que sentir a dor da sua falta. Eu sofro da mesma forma, querida!" Halfpint pegou nas mãos de Flora, ela fechou os olhos.
"Eu odeio isso! Eu me odeio!" E uma onda de raiva me tomou, raiva de mim mesma, raiva de Gabriel, raiva de Candid.
"Não fique assim, filhotinha, você é especial. Sempre foi! Você disse que conseguiu fazer uma das rosas azuis de Nove, o pai, florescer! Você aprendeu muito rápido!" Flora sorriu e uma onda de ternura passou por mim, eu olhei para os olhos azuis de Halfpint e a abracei.
"Foi tão bom! Eu só queria..."
"Você pode estar magoada e confusa, mas você não é uma mentirosa. Você sabia o que ia acontecer se ficasse sozinha naquela casa com Simple." Halfpint disse, Flora baixou a cabeça.
"Ele me tratou como se eu fosse uma prostituta. Ele me olhou como olharia para uma prostituta. Cam tinha contratado duas, eu apenas as substituí." Eu não soube o que dizer. Flora e Simple? Simple com aquele olhar tão distante, tão aquém de qualquer coisa?
"E qual o problema? Você queria que ele se apaixonasse?" Halfpint perguntou, uma onda de tristeza me abateu, eu me arrependi de ir lá.
"Sim, mamãe, eu queria." Flora disse, mas eu não entendi.
"Você está apaixonada por ele, então?" Eu perguntei, afinal ela não era apaixonada por John?
"Eu não sei. Talvez. Ele não age refletindo o que eu... O que sai de mim. Eu não o atinjo e isso tem seu valor. Eu nunca soube se John realmente gosta de mim, ou se ele simplesmente está espelhando o que eu sinto por ele. Com Simple, eu tenho certeza de que não. Mas aí, ele não parece gostar de mim, embora..."
Eu segurei a mão de Flora em minhas mãos e senti a angústia dela. Ninguém gostaria de saber que aquela pessoa de que você gosta não gosta realmente de você, que os sentimentos que alguém sente não são realmente desse alguém, mas de nós mesmos.
"Eu sinto muito." Eu só pude dizer isso.
"Obrigada, tia. E eu estou muito feliz, viu? Eu adoro você e já estou ansiosa pra pegar a sua filhotinha no colo." Ela sorriu e eu me senti bem, me senti especial para ela.
"Você entende, mamãe?" Flora perguntou, Halfpint sorriu um sorriso bem triste.
"Mas o que você vai fazer na casa dos seus avós?" Ela perguntou.
"Me afastar, me conhecer. Não será por muito tempo, eu só preciso me isolar um pouco. Eu não vou demorar a voltar." Flora disse e eu sorri para ela. A coragem de se afastar. A coragem de olhar de longe, de dar um passo atrás e ver onde você está metida. Eu me orgulhei por Flora, autoconhecimento sempre era bom.
Flora e Ben se foram eu acabei chamando um monte de fêmeas e passamos a noite rindo e comendo. Breeze disse que não podia, Chimes também, eu me senti meio que deixada de lado por elas. Chimes estava apaixonada, ainda que talvez ela quis evitar uma briga com Adam já que ele não deixaria ela passar uma noite longe dele e ela também não deveria querer isso. Breeze parecia um pouco ansiosa no telefone, eu decidi ir no apartamento dela no dia seguinte.
Ben chegou bem cedo, estávamos todas dormindo na sala, ele sorriu, pegou Halfpint nos braços e nós tomamos café sorrindo como bobas com o barulho que eles faziam no quarto.
E depois de tantos anos, eu descobri que eu queria algo como o que Halfpint tinha. Eu queria amar tanto um macho que precisasse do apoio das minhas amigas se ele passasse uma noite fora, eu queria sentir saudade de alguém, mesmo que por poucas horas.
Eu me senti pronta. Só faltava alguém para amar.

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