CAPÍTULO 63

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Eu não queria que ele fosse. O que significava isso? Eu não queria que ele fosse na cabana de Simple ajudar Candid a entender por que Honest estava no corpo de Modest. Isso era importante, mas o medo por Chimes tomava meu coração e eu não queria que ele saísse. Quando Honest, por que era nitidamente Honest ali, quando Honest disse que não precisava dele ir, eu senti alívio.
Gabriel tinha sorrido pra mim depois que a porta tinha se fechado e tinha dito que estava à mão. Eu ri e fomos para a cama.
E compartilhamos sexo de uma forma lenta. Ele foi carinhoso, ele via que eu estava com medo por Chimes, ele me beijou os olhos dizendo que tudo ficaria bem, que ele poderia examinar Chimes todos os dias se fosse necessário. Eu o beijei e o calor estava diferente. Abrasador, é claro, mas era um calor que não queimava apenas a minha pele, mas toda a minha alma.
Enquanto ele estocava seu pênis em mim, de forma lenta, mas firme, ele beijou meu rosto. Minha testa. Meus olhos. E depois ficamos nos encarando. Eu vi cada reação de seu rosto ao crescente do prazer que nos tomava. Vi a mudança de cor dos olhos, cada gotinha de suor que brotou em sua testa, o vi morder os lábios. Mas como eu também era sacudida pelas sensações, eu acabei por fechar os olhos quando eu gozei e não vi como o rosto dele ficou quando ele gozou. Mas quando a onda passou, quando meu coração voltou ao ritmo normal, ele me encarava e eu me senti abalada.
Ele se levantou, enrolou o lençol na cintura e foi até a janela. Ele ficou um tempo lá, eu fiquei na cama.
Eu me sentia completa, me sentia saciada. Com uma única vez. Um único gozo e eu sentia felicidade. Um único gozo e eu só queria que ele voltasse para a cama e me abraçasse. Mas ele continuava parado em frente a janela.
"Gabriel?" Eu o chamei, ele se voltou para mim e sorriu.
"Me desculpe, eu sei que uma vez só é muito pouco, Bela Creek. É só que..." Ele se calou, eu via um brilho diferente em seus olhos, eu abri os braços sem dizer nada.
Ele voltou a se deitar comigo, com a cabeça entre meus seios e não disse mais nada. E acabou dormindo.
E agora, horas depois eu ainda estava com sua cabeça entre meus seios, seus cabelos dourados entre minhas mãos. Fios finos e macios.
E eu sentia que poderia ficar ali para sempre. Eu não queria sair dali, eu queria Gabriel perto, eu o queria de uma forma que eu não sabia explicar.
"Eu acabei dormindo, me desculpe." Ele disse antes de abrir os olhos.
"Tudo bem, eu gostei disso, foi bom sentir você aqui, comigo." Ele se levantou e eu me senti sozinha, incompleta.
Ele ia dizer alguma coisa, mas seu telefone tocou, ele atendeu.
"Candid? Oi." Ele disse e ouviu por um segundo.
"Sim, não só eu, mas Creek também te ligou." Ele respondeu.
"Eu entendo, não tem problema, Candid, mas isso é sério. Modest apareceu aqui, no prédio das fêmeas, mas como Honest."
Ele ficou escutando e respondeu:
"Não fingindo ser Honest, Candid. Era Honest, o Honest implantado. Era ele. Sem nenhum traço de Modest, totalmente no controle do corpo."
"Diga a ele que Honest não se lembrava de nada desde o dia do empate." Eu disse, ele repetiu:
"Creek disse que ele não se lembra de nada, desde que estivemos na casa de Wide." Ele disse e ficou escutando.
"Eu não sei onde ele está. Ele disse que iria se encontrar com você, mas estava mentindo. Eu acho que ele pensou que ajudamos Modest a tomar o controle corpo, por pensarmos que ele estava perdido e fugiu. Eu acredito que ele não viu o Honest real."
Meu queixo caiu. Eu não pensei nada disso! Eu só senti medo por Chimes.
"Não havia como prendê-lo, Candid. Chimes está grávida de novo, Creek ficou muito abalada com isso, eu não pude deixá-la e tive medo de contar a ele que Honest voltou. E eu te liguei logo que ele saiu daqui, mas você não atendeu."
Ele ficou ouvindo e arregalou os olhos, eu me levantei da cama, ele me abraçou.
"Flora sumiu. E Simple quer sair de Fuller e ir atrás dela." Ele me disse baixinho e fez uma careta com o palavrão que Candid disse do outro lado da linha.
"Creek é minha... Creek é de confiança. Basta que eu peça e ela não contará a ninguém." Ele disse ao telefone, meu coração se agitou.
"Calma, Leãozinho. Achar Honest é a prioridade agora, ele é um alvo ambulante no meu mundo, sabe disso. Vengeance pode ir para Fuller e segurar Simple, Brass pode dar um jeito em Darkness. Eu e você achamos Honest e o traremos de volta. Sim. Eu não demoro." Ele desligou.
"Flora está em Homeland." Eu disse, ele negou com a cabeça e correu para o banheiro. Eu me sentei contra a cabeceira da cama e o observei sair do banheiro, se secar e se vestir. Ele vestiu um dos meus conjuntos de moletom, a blusa ficou apertada, a calça ficou justa nas pernas grossas e suas canelas ficaram de fora. Eu ri.
Ele sorriu.
"É só para ir até a área dos jipes e de lá até minha cabana. Talvez precisaremos de um chip em branco e eu tenho um lá. Se vista, vou me sentir melhor se você ficar com Breeze. E Wide vai querer ir para Fuller ajudar a segurar Simple." Ele disse, eu saí da cama e me vesti.
Quando íamos bater na porta de Breeze, Wide abriu a porta.
"Eu ia pedir que você viesse, Creek. Que bom." Ele sorriu para mim, eu assenti e entrei. Breeze estava sentada no sofá e torcia as mãos.
Eu fui até ela e a abracei.
"Talvez eu e Creek devíamos ir na casa de Halfpint. Ela..."
"Ela não sabe que Flora sumiu. Não devemos causar alarde por enquanto. James está procurando, há uma chance de encontrá-la antes que saibam que ela sumiu." Gabriel disse e se ajoelhou ante mim.
"Eu não sei quando eu volto." Ele disse, eu puxei o rosto dele e o beijei, um beijo longo, tão cheio de ternura que quando nossos lábios se separaram eu já sentia saudade.
Ele e Wide saíram, Breeze me abraçou, eu me ajeitei até ficar com a cabeça no colo dela.
"É estranho, mas eu fico feliz ao te ver com ele." Ela disse.
"É mais estranho ainda o fato de eu estar feliz com ele?" Eu perguntei, Breeze sorriu.
"Você estava aqui quando Wide apareceu pela primeira vez?" Breeze perguntou, eu disse que sim, mas não estava na festa.
"Livie teve uma visão com ele. E contou para Honor, ele e Quinze o enfrentaram, os leãozinhos o levaram para fora da Reserva. Eu perguntei sobre essa visão, ele me contou." Eu virei minha cabeça, olhando para a frente, pois nada que Wide tenha feito se comparava ao que Gabriel fez com Kit.
"Era uma humana. Ele se forçou para ela. Era uma pobre prostituta, foi numa das vezes que ele saiu do hospital psiquiátrico. Ela começou gostando, mas ele foi muito violento, ela quis que ele parasse, ele não parou. E depois, ele a levou para o hospital. E a manteve lá, ela engravidou e morreu com o bebê na barriga. Depois disso, Wide ficou quase vinte anos sem tocar em alguém." Eu senti muita pena de Wide.
"Mas como ele saía?" Eu perguntei.
"Os guardas deixavam. Ele ganhava lutas para eles. Às vezes, ele cobrava para lutar, o preço era arranjarem uma fêmea para ele. Ele a levou para a sua cela e chantageou os guardas, eles não tiveram como impedí-lo."
Eu encarei Breeze e disse:
"Não é o mesmo que Gabriel fez." Eu disse com meu coração doendo.
"Talvez devêssemos passar esse tempo fazendo algo útil. Vamos para o heliporto." Eu tinha de tomar um banho, então fui para meu apartamento.
Quando abri a porta o cheiro dele, do que fizemos, veio ao meu nariz e me senti fraca, desanimada. Por que ele ainda era o mesmo e nunca deixaria de ser o macho humano que abusou de Kit. Como conviver com isso?
Eu tomei um banho, vesti um vestido e voltei para o apartamento de Breeze. De lá fomos para o heliporto.
Breeze conversou com Timber, ele assentiu e nos liberou um helicóptero.
Eu só quando ela explicava nosso destino para Timber é que eu entendi o que Breeze pretendia.
Breeze era direta. Ela não hesitava, ela enfrentava. E eu entrei no helicóptero decidida a enfrentar isso também.
O piloto humano pousou no heliporto da grande propriedade de Robert Crane, eu respirei fundo. Eu não conversei frente a frente com ela, só por telefone.
Nós descemos do helicóptero e andamos até a casa, era uma boa distância. Kit e Ann Sophie nos esperavam à porta, ela nos abraçou e nos levou para o jardim.
A mesa estava cheia de comida, eu me sentei e comecei a comer enquanto Breeze e Kit conversavam amenidades.
"Eu não estava na festa de boas vindas, fiquei sabendo que terminou em pancadaria." Ann Sophie disse, eu sorri.
"Pelo que sempre disseram por lá, se não terminar em briga, não foi uma festa boa." Ann Sophie riu.
"E então, Creek? Podemos andar um pouco?" Kit me perguntou, eu quase disse que não, mas eu me levantei segurei o braço que Kit me estendeu e andamos pelos canteiros floridos em silêncio por um tempo.
"O tempo cura tudo, Creek. Gabriel não é o mesmo macho que me estuprou. O macho que me estuprou tinha uma escuridão nos olhos. Havia uma maldade e um vazio naqueles olhos. O sorriso dele me despertou nojo e seu toque doía, machucava. Mesmo um simples roçar de dedos machucava, doía. Ele não parecia humano, parecia um demônio, um..." Meu coração doeu, uma lágrima desceu por meu rosto, Kit me abraçou.
Por que eu tinha entrado nessa situação? Por que eu não escolhi outro macho? Se era para ser um humano, há vários trabalhadores humanos na Reserva!
"Já passou, Creek. Tudo ficou para trás. Quando ele voltou depois de ajudar o Joe, Justice me ligou. Ele tem uma dívida com Gabriel, sabe disso, não é? Ele me perguntou o que eu achava, eu disse que por mim, ele podia ficar se quisesse. Justice suspirou aliviado. Como ele poderia expulsar ou negar uma segunda chance ao macho que lhe ajudou a conceber Virtue?" Ela disse, eu assenti.
"E Flora. E Smile Two. E Ann, a minha Ann. E agora Pollyana." Ela se ajoelhou e beijou minha barriga.
Eu deixei as lágrimas rolarem, eu não queria sentir que estava apaixonada pelo macho que fez tanto mal a minha amiga. Kit se levantou e continuamos andando até chegarmos num banco. Nos sentamos e ela segurou minhas mãos.
"Os olhos, Creek. O que você vê nos olhos dele?" Kit perguntou, eu sorri, não consegui evitar.
Não tinha se passado muito tempo em que eu estava mergulhada no azul dos olhos dele, com ele dentro de mim.
"Eu vejo humildade. Ele é um gênio, você sabe disso, mas ele é humilde. Eu vejo o desejo de servir, ele queria ser um médico pobre numa ilha sem recursos. Eu vejo admiração pelo nosso povo, ele ama cada macho e fêmea pelo que somos e adora os filhotes." Eu baixei os olhos, ele estava a pouco tempo na área familiar, mas parecia saber de tudo.
"Viu? Não é esse o macho que abusou de mim." Kit disse com um sorriso.
"Você o perdoou?" Eu perguntei, ela suspirou.
"Sim, Creek, eu o perdoei. Mas só agora com você me mostrando que está apaixonada por ele que eu sinto que valeu a pena perdoá-lo." Eu ergui minhas sobrancelhas.
"Como assim?" Eu não entendi.
"Perdoar é se curar. Eu só me curaria totalmente se perdoasse, então eu o perdoei por que eu queria a cura. Eu queria deixar o trauma, a dor para trás e só dá para fazer isso com o perdão sincero, o perdão de coração e alma. E então eu o perdoei, mas qual é o ato do perdão, Creek?" Kit me encarou e eu toquei seu rosto, olhei em seus olhos tão verdes, parecidos com os meus.
Qual era o ato do perdão? Eu nunca pensei sobre isso.
"Dizer em voz alta? Para a pessoa perdoada? Olhar nos olhos dela e dizer: 'eu te perdôo'? É isso?" Eu tentei. Kit segurou minha mão e entrelaçou nossos dedos.
"Não. O perdão só se concretiza, só se materializa quando nos alegramos com a felicidade daquele que nos fez mal." Eu a encarei. Eu nunca imaginei que conversar com ela sobre Gabriel seria uma conversa tão profunda assim.
Eu olhei para ela, Kit sorriu.
"E eu estou feliz por vocês. Eu estou feliz por Pollyana, ela será tão incrível quanto Ann Sophie. Vai te fazer rir e chorar. Você vai se sentir completa e realizada. E com ele tudo terá mais cor, tudo terá mais sabor. Eu estou feliz por Gabriel, por ele ter tido sua redenção. Eu não posso odiá-lo, o ódio nos corrói e eu não poderia querer que ele vivesse no inferno, por que isso voltaria para mim." Ela disse, eu suspirei.
"Eu me senti tão culpada! A cada vez que o quis, a cada vez que me entreguei ao desejo por ele, eu me culpei. Era como trair você, era como ser conivente com o que ele te fez." Kit se levantou.
"Já fazem Dezesseis anos, Creek. Talvez se fosse mais cedo, minha reação seria outra, mas desde que eu e Robert nos apaixonamos, muita coisa perdeu o sentido. E com o tempo, eu comecei a ver o papel de Gabriel em minha vida e não foi pequeno." Ela se virou para mim, eu a vi como ela era, uma linda fêmea espécie, felina, mãe e companheira de um humano. Com todas as suas complexidades, um enorme coração e um olhar que dizia para não pisar no calo dela, algo que ela sempre deixou bem claro para todas nós.
"Robert estava morrendo." Ela disse e eu arregalei os olhos.
"Ele estava numa cadeira de rodas, quase sem esperança. Gabriel o tratou e o transformou no macho poderoso que ele é hoje. E depois me fez engravidar dele. Ele me deu os dois. Sem querer, como parte de um plano maléfico, mas me deu. A motivação, a maldade que o fez fazer o que fez não é maior que a graça por tê-los. Eles são a minha vida, Creek." Ela disse, eu me levantei e a abracei.
"Seja, feliz, irmã. Seja tão feliz, mas tão feliz que as dúvidas, a culpa ou qualquer sentimento ruim pelo que ele fez no passado fiquem tão pequenos que não vão te incomodar."
"Mas ainda incomodam." Eu disse, Kit me sorriu.
"Quando ele te toca? Quando ele te beija? Por que seu cheiro me diz que ele faz muito isso." Eu ri.
"Quando eu fico sozinha." Eu disse.
"Então não fique sozinha, oras!" Kit disse e eu ri.
"Converse com ele. Ele tem de saber o tamanho do que você está dando a ele." Eu assenti e voltamos para a mesa, Ann Sophie contava uma história para Breeze, Breeze tinha os olhos presos nela.
"A história do monstro do hospital?" Kit perguntou, Breeze balançou a cabeça concordando.
"Eu comecei agora, vou recomeçar, Creek." Ann Sophie disse.
"É uma história um tanto perturbadora, mas muito bonita." Kit disse se sentando ao lado de Ann Sophie e segurando uma de suas mãos.
"É sobre Wide. Flora é uma boa amiga dele." Breeze explicou.
"Havia um hospital, um hospital onde os bichos iam quando se sentiam tristes..."
Ann recomeçou a contar, eu deixei sua voz doce entrar por meus ouvidos e logo estava totalmente envolvida na história criada por Flora.


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