TWO | EXPEDITION

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Observei minha mãe organizar a camisa branca do Wallace pela terceira vez, ela ajeitou sua gola e colocou o tecido por dentro da bermuda cinza escura.

— Deixe-me ver como está sua roupa — ela pediu e me fez levantar do banco de aço e alto em que eu estava sentada.

— Mamãe, estamos bem — eu tentei lhe acalmar.

— Tudo tem que estar perfeito, Ninka — ela retrucou, alinhando alguns fios de meu cabelo preto no meu coque perfeito. Eu sabia o que ela estava fazendo. Ela queria ter certeza que nossos trajes estivessem perfeitos para que ninguém tivesse um motivo sequer para fazer piadas de nós, mas de que isso adianta? Eles fazem do mesmo jeito.

— Eu estou com fome — meu irmão reclamou com a mão na barriga.

— Ok. Vamos lá. — Ela suspirou, passando os seus dedos sobre seus olhos cansados.

Wally passou o seu cartão sobre o detector e a porta metálica da nossa cabine foi destrancada, nos dando livre acesso ao estreito corredor. Mamãe segurou nossas mãos e nos puxou para andar junto ao fluxo de pessoas que se encaminhavam ao salão principal para o jantar. Notei alguns olhares tortos direcionados a nós assim que pisamos no local da reunião, mas os ignorei, como faço todos os dias.

As pessoas estavam bem vestidas, claro que com a intenção de serem notadas pelo Capitão. O salão também estava mais arrumado do que o normal, foram postas algumas luminárias chamativas, feitas por nossos engenheiros, e elas estavam voltadas para uma única mesa, que por acaso era onde estavam todos os membros do conselho.

— Judith! Que bom que se juntou a nós! — Hilda, uma das conselheiras, saudou falsamente minha mãe. Ela possui cabelos grisalhos e foi escolhida por seus vastos conhecimentos na aérea médica.

— "Sem exceção" foi o que Marcus disse, certo? — minha mãe forçou um pequeno riso, tentando soar simpática.

— Ninka, querida, você está ótima! — ela elogiou e eu não movi um músculo para retribuir sua saudação, até minha mãe me beliscar.

— Obrigada, Conselheira — consegui dizer com muito esforço.

— Olá, Wallace — ela alisou a franja do cabelo castanho do meu irmão. Ele sorriu gentilmente.

Wallace consegue ser o meu oposto. Ele é gentil, humilde e maduro, apesar de sua idade. Puxou aos nossos pais. A única coisa que eu herdei de meus genitores foi o tom de pele extremamente claro da mamãe e a inquietação e sonhos do meu pai. Não gosto de coisas monótonas, como essa reunião.

— Senhoras e senhores, o Capitão Marcus! —um guarda anunciou na mesa do conselho, atraindo a atenção de todos que deixaram seus jantares de lado para aplaudir o capitão.

— Meus queridos amigos, como vocês sabem muito bem, a nossa pequena casa foi construída há quase um milênio por governadores da época que...— ele começou um discurso chato sobre a nossa história e eu aproveitei para me servir junto ao Wally.

Marcus enrolou por alguns minutos, soltando frases ensaiadas de efeito até chegar no ponto principal.

— Mas, bom, o motivo de eu estar aqui hoje é para afirmar algo que muitos de vocês já sabiam: a nossa pequena crise de recursos. — Algumas pessoas se assustaram. Todos tínhamos, de fato, noção do que estava acontecendo, mas ninguém tinha a audácia de falar isso com todas as letras. Acreditávamos que se caso não falássemos, a crise iria desaparecer. — Então, o conselho se juntou e concluiu que não nos resta outra alternativa além de realizarmos uma expedição de urgência. — O encaramos confusos.

— Senhor, o que seria uma expedição de urgência? — uma mulher perguntou quando o capitão lhe deu permissão para falar.

— Ótima pergunta! — ele sorriu — Uma expedição de urgência será uma missão organizada com todos os procedimentos precisos para, digamos que, uma checada na superfície — ao terminar sua explicação, as pessoas começaram a falar umas por cima das outras. Todos estavam indignados, ninguém ia a superfície desde A Grande Guerra.

Mamãe nos abraçou de lado, temendo que aquela reunião acabasse em uma briga.

— Por favor, senhores, peço que se acalmem! — Marcus gritou por cima das vozes que logo cessaram — Eu juro que se houvesse outra opção, nós nunca sugeríamos ir à superfície. Mas, se nós não mandarmos uma equipe para lá, todos iremos morrer aqui embaixo. É um risco que devemos correr pelo bem maior. — As pessoas murmuram com medo.

— O senhor mandará uma equipe de guardas? — um homem perguntou.

— Na verdade, não. Afinal, não sabemos o que iremos encontrar lá fora e tememos que possamos estar vulneráveis após a saída da equipe. Por isso, toda proteção é pouca. — Ele lamentou, claramente falso. Ele nunca arriscaria seus guardas para uma missão suicida. — O conselho, através de um alistamento obrigatório para fazer exames e verificações, escolherá oito jovens de dezoito anos para serem nossos salvadores. A equipe será liderada por Carter Jones, o filho do nosso general e a pessoa mais bem qualificada para esta expedição. — O Capitão apontou para um garoto de expressão dura, com olhos escuros e intimidadores e com o cabelo grande o bastante para cobrir toda sua testa e orelhas.

— Vocês vão matar os nossos filhos! — uma mulher gritou e jogou algo na mesa do conselho, fazendo as outras pessoas se agitarem. Os guardas se manifestaram para retirar os organizadores com cuidado do salão.

— Saiam da frente! — o general gritou com um cassetete em mãos, tentando abrir caminho no meio da multidão.

— Leve seu irmão para a nossa cabine. Eu ficarei aqui para conseguir mais informações sobre essa loucura. — Minha mãe sussurrou em meu ouvido e eu assenti, segurando a mão de Wallace.

— Segure firme, Wally! — disse enquanto andava contra a massa de pessoas agitadas. Precisei empurrar algumas delas para chegar em um dos corredores que nos levaria ao nosso cubículo.

(...)

Eu estava cobrindo Wallace com seu lençol branco quando minha mãe chegou da reunião.

— Ele dormiu — a informei e ela sorriu, depositando um beijo na testa de Wally.

Fechei algumas prateleiras e puxei de um compartimento da parede uma cama de casal que divido com minha mãe que, quando armada, fica posicionada ao lado da cama do meu irmão que, antes dele nascer, era minha.

A base possuí diferentes cabines que são pequenos espaços com camas, privadas, pias, mesas e compartimentos para guardar alguns móveis e utensílios.

— Você vai nessa expedição? — minha mãe quis saber.

— Você o ouviu. Eles querem jovens com dezoito anos, eu tenho dezessete. — A respondi enquanto puxava os travesseiros de um quadrado em cima do armário.

— E desde quando você escuta o que eles dizem? — ela perguntou com um sorriso e eu não pude deixar de a acompanhar no gesto.

— Eu não posso deixar vocês sozinhos, mãe — murmurei, apreensiva.

— Isso sempre foi o seu sonho, minha filha. Você vai poder ser a exploradora que seu pai sempre quis ser. — ela me motivou.

Quando eu era criança, o meu pai costumava contar histórias de como ele seria o primeiro homem do bunker a redescobrir o mundo. E depois de tudo o que passamos, eu desenvolvi a mesma vontade que ele. A vontade de sumir desse lugar, de se aventurar pelo mundo. Eu não quero ensinar crianças, nem pensar em grandes inovações tecnológicas para o sistema e nem consertar as coisas dos outros.

— E se não houver nada lá fora para ser explorado? — perguntei, receosa.

— Ninka, você sabe que não nasceu para desistir. O seu destino sempre esteve além desse Bunker. Aqueles garotos vão precisar de você para protegê-los e guiá-los. Você merece estar longe dessas paredes mais do que ninguém. — Ela beijou minha testa — O seu pai nunca desperdiçaria essa chance, pense nisso.

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Demorei para postar por conta dos bugs e das reparações da plataforma.

Enfim, e aí? A Ninka vai ou não nessa expedição?

Não esqueçam de favoritar e comentar, caso gostem💛

Ninka Baker e Os RecrutasWhere stories live. Discover now