SEVENTEEN | KID

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Vários dias se passaram e todos continuamos na mesma rotina. Alguns recrutas trocaram de serviços, como Margot que se tornou ajudante dos curandeiros, por causa do seu vasto conhecimento medicinal.

Era o nosso 12° dia de missão e o tempo parecia estar contra nós. Carter, que agora era o guarda e servo pessoal de Wakanda, não conseguiu encontrar nenhuma abertura que servisse para a nossa fuga, mas ele não desistiu.

Olga havia me pedido para levar algumas ervas até a tenda onde ficavam os curandeiros. Ela nunca mandava eu ou o Karl fazer suas entregas, sempre era algum aldeão que vinha até sua cabana buscar, mas hoje especialmente tinha sido diferente. E eu não reclamei. Longe de mim reclamar de tomar um ar fresco e esticar as pernas depois de tanto tempo trocando as madeiras do piso da cabana que estavam velhas.

Olga era uma senhora muito gentil, isso era fato, mas isso não quer dizer que ela nos poupava na hora de pedir coisas. Depois do seu quintal e de sua plantação, ela nos fez reforçar as palhas de seu teto e fazer uma base de madeira para o mesmo, pois se queixou de goteiras durante as chuvas. Agora ela estava nos fazendo trocar os pisos, as escadas bambas da entrada principal e as portas com buracos por causa dos cupins. Isso é, quando ela não inventa de nos fazer cuidar de seus diversos animais exóticos que surgem do nada. Um dia desses, ela pediu para que procurássemos comida e alimentássemos Priscila, sua cobra de estimação. Ver Karl desmaiando depois da tarefa foi o que fez o nosso esforço, ao caçar os ratos, valer a pena. Outro evento com esses animais foi quando uma aranha caranguejeira caiu do teto e pousou bem em cima da minha cabeça. E aí foi a minha vez de quase desmaiar. Quase.

E foi lembrando de todos esses eventos, que eu atravessei a aldeia até a cabana dos curandeiros.

No caminho, entretanto, uma movimentação perto da grande tenda me fez desviar da minha rota. Decidida a descobrir o que acontecia e saciar a minha curiosidade, eu caminhei até a pequena multidão que assistia a algo. Quando passei entre algumas pessoas, tive uma visão clara de Wakanda sentada em um trono esculpido de madeira com um gavião em seu ombro e com Carter em pé ao seu lado. Ela fez um aceno de cabeça e foi somente quando percebi uma menina que devia ter uns 13 ou talvez 14 anos e que estava parada no meio da roda de pessoas, que notei usarem escudos, com uma lança em mãos. A garota tinha seu rosto pintado por uma tinta preta, e seu cabelo loiro estava trançado e preso em um rabo de cavalo.

Pelo seu traje de couro, eu soube que algo estava prestes a acontecer. E tive a certeza quando quatro aldeões-guardas fortes trouxeram um morto que estava preso por cordas. Este, diferente dos outros na entrada da aldeia, estava com seu corpo perfeito e parecia faminto pela forma que se debatia em direção a garota. Então tudo se conectou em minha mente: a lança, os escudos e a multidão. Eles estavam formando uma arena improvisada e botariam a garota para lutar contra aquela coisa.

O jẹ akoko! — Wakanda se pronunciou, se levantando, e a multidão ao meu redor comemorou — Loni, arabinrin wa wa bi o ba jẹ setan lati jẹ ọkan ninu wa! — disse e apontou com o seu bastão para a garota que se curvou — Loni o wa ibẹwo rẹ! — então outros aldeões, mais afastados, bateram em seus tambores de maneira sincronizada — Ṣe iya wa wa ni ẹgbẹ rẹ ni eyikeyi abajade. — pareceu desejar.

"É chegado a hora!
Hoje a nossa irmã descobre se está pronta para ser uma de nós!
Hoje você descobre o seu destino!
Que a nossa mãe esteja ao seu lado, independente do resultado."

Wakanda voltou a se sentar com postura em seu trono e, com um aceno de cabeça, ela permitiu que os seus guardas soltassem as cordas, fazendo com que o morto avançasse em direção a garota que deu seu primeiro golpe com a lança, perfurando a barriga da coisa. Mas isso não foi o suficiente para afastá-lo, isso apenas irritou o morto que avançou novamente em sua direção. A garota desta vez se esquivou e atravessou a lança na barriga dele, mas, como consequência, sua arma de defesa ficou presa. Ele a mataria e Carter sabia disso tanto quanto eu, pois me lançou um olhar alarmado. Eu encarei as pessoas ao meu redor e elas não esboçavam nenhuma reação, elas deixariam aquela criança morrer.

Sem nem pensar duas vezes, eu larguei a cesta de ervas da Olga no chão e empurrei algumas pessoas até chegar perto suficiente da barreira de escudos.

— Parem! — eu pedi em um grito e Wakanda me encarou — Parem! Essa coisa vai matá-la! — disse desesperada.

— Cale-se, Filha de Adão, ou será punida — ela ameaçou, cortante.

— Não vou me calar até você parar com essa loucura! — disse convicta.

Então, o morto avançou em cima da garota de uma maneira que a derrubou de costas no chão.

— Ela vai morrer! — eu gritei desesperada e tentei passar pelos escudos, mas os aldeões, ao meu redor, me impediram.

— Não devemos interferir nos destinos de nossos irmãos. Se ela tiver que morrer hoje, então assim será. — ela retrucou fria, olhando para a garota que se arrastava no chão para longe do morto.

— Destino? — o que diabos ela estava falando? — Você acha que a luta dela com essa coisa vai definir se ela deve viver ou não? — perguntei horrorizada, tentando me soltar das mãos que me mantinham afastada da garota e do morto — Isso não prova nada! Qualquer um pode matar!

O morto se pôs em cima da garota e ela precisou usar os braços para mantê-lo afastado dela. Eu sabia a sensação de desespero que aquilo causava, eu tinha passado pela mesma situação e, se eu não aguentei segurá-lo muito tempo, quem dirá uma criança.

— Por tudo o que você acredita, pare esta luta! — eu pedi agoniada numa última tentativa.

E quase como um milagre, Wakanda levantou a sua mão e os aldeões puxaram o morto pelas cordas, o tirando de perto da garota que, embora suja, tinha o corpo intacto. A mulher se levantou, colocando o gavião, outrora em seu ombro, no braço de Carter que usava uma proteção para as garras da ave.

Jẹ ki o kọja. — ela mandou autoritária e os aldeões me soltaram, abrindo o caminho até o meio do círculo — venha até aqui, filha de Adão — mandou com o olhar em chamas.

"Deixem que ela passe!"

— Senhora..— eu tentei falar, mas ela me interrompeu com um rugido.

— Cale-se — mandou — Por causa da sua intervenção no ritual de passagem daquela criança, você será punida — disse em um tom assustadoramente calmo, porém agressivo.

— Chefe...— Carter tentou impedir, mas também foi interrompido.

— Para trás, soldado, ou todos os seus outros amigos também sofrerão as consequências — ela ameaçou e ele recuou um passo, se calando.

A esse ponto, os recrutas também haviam se juntado a multidão. Eu soube disso porque cada um deles me encarava com uma expressão diferente: medo, ressentimento, orgulho e pena.

— Já que você quis tanto tirá-la da luta — ela apontou com a cabeça em direção a garota — agora ficará em seu lugar — deu a minha sentença e logo acrescentou: — sem nenhuma arma para se defender — então meu estômago embrulhou e eu senti meu coração bater mais rápido pela injeção de adrenalina que a situação me causou.

— Se eu vencer, deixará ela livre? — quis por uma condição.

— Se você vencer, eu deixarei que você viva. Mas se você morrer, todos seus amigos morrem junto. E isso não é um acordo para que você tente impor alguma coisa. É só a consequência dos seus atos de rebeldia. — ela avisou e eu senti meu sangue borbulhar.

Assenti, sabendo que agora eu lutaria não pela minha, mas pela vida dos recrutas. Era tudo ou nada.

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Mudei a forma do dicionário para que fique melhor para vocês lerem e entenderem do que se trata. Tipo uma legenda.

Ninka Baker e Os RecrutasOnde histórias criam vida. Descubra agora