Em um determinado ponto da caminhada, fomos surpreendidos por mortos. Muito deles. O grupo inteiro entrou em desespero até Charles nos informar que aquelas coisas estavam amarradas às árvores por seus pescoços. E ele estava certo.— mas que merda é essa? — Carter perguntou quando observou os bichos com mais atenção. Eles estavam sem metade dos braços e suas bocas estavam costuradas, além de estarem presos como cachorros.
Tudo ficou mais claro quando um dos aldeões, que estava com a gente, assobiou e os mortos foram afastados por outros aldeões, que surgiram por de trás de algumas árvores, revelando grandes portões de madeira com plantas trepadeiras.
Era a entrada da aldeia.
— Andem! — o aldeão de pele azulada ordenou, sem muita paciência, quando nos deram passagem. O obedecemos.
Voltamos a caminhar, agora, por um caminho sem muito mato e iluminado por tochas. Logo, foram aparecendo pequenas casas feitas de madeira e palha que certamente serviam como moradias. Entre elas, existiam pequenos cercados que abrigavam e separavam diversos animais.
— Onde está todo mundo? — Victória sussurrou atrás de mim e eu lhe devolvi a pergunta com o olhar.
A nossa pergunta foi respondida quando os aldeões nos encaminharam para o outro lado da aldeia.
Ficamos surpresos e assustados quando encontramos todos os moradores da aldeia sentados no chão, em frente à uma grande tenda de palha que era iluminada por uma grande fogueira, todos fazendo movimentos sincronizados com os seus troncos.
Um pequeno grupo deles batia em tambores e tocava instrumentos enquanto cantavam algo em outra língua.De repente, eles pararam e, de dentro da tenda, surgiu uma mulher. Ela era negra, possuía os chifres de algum animal na cabeça e o seu corpo estava coberto por uma tinta branca. Todos se curvaram perante ela ao ponto de suas testas tocarem o chão. Depois da reverência, os tambores voltaram a ser tocados, dessa vez com mais força.
Do outro lado, um aldeão puxava um porco grande e forte até a mulher. Ele amarrou o animal por suas patas traseiras e o pendurou de cabeça para baixo. O porco grunhia de forma agonizante, se sentindo torturado. Em baixo dele foi posta uma bacia de barro larga e funda.
— Eu não to gostando nada disso — Margot confessou assustada, mas sua voz foi abafada pelos gritos da mulher que começara um pequeno discurso.
* — Ọlọrun ti awọn Ọlọrun! Iya Ẹwa! Eleda ti awọn ọkunrin! — a mulher parecia invocar alguém — A nṣe ẹbọ ati ẹbọ lati ṣeun fun irọlẹ ti ilẹ ati fun awọn ẹmi ti awọn ẹranko ti o wọ ati ifun wa — ela se agachou, melou a mão direita de terra e a lambeu. Ela se levantou, abriu os braços e um aldeão colocou uma faca que brilhava em sua mão recém-melada. — gba, iya, ẹjẹ ẹranko yii bi ẹri ti oore ati ife wa! — parecia clamar.
— gba, iya! — o povo clamou junto em uníssono.
Então, a mulher acertou o porco com a sua faca e o rasgou ao meio de um jeito que seus órgãos pularam para fora. Todos os recrutas recuaram um passo, exceto Charles que virou para o lado oposto e vomitou.
— isimi ni alafia, ẹjẹ ti ẹjẹ mi — a mulher disse e o povo repetiu.*
Ela pegou a bacia de barro que agora estava cheia de sangue e levantou aos céus. Depois, um aldeão se prontificou a segurar essa mesma bacia, onde a mulher mergulhou suas mãos e levou o sangue ao seu rosto com os dedos. O povo começou a se levantar e a formar uma extensa fila em frente à mulher que melava o rosto de cada um deles com o sangue do animal sacrificado.
Um dos dois aldeões que estavam com a gente, se aproximou da mulher e trocou cerca de duas frases que a fez nos encarar com os olhos estreitados. Ele voltou para perto de nós e, sem dizer nada, nos arrastou para uma das tendas mais afastadas.
— Guardas. — ele disse quando nos empurrou para dentro da mesma e apontou para dois outros aldeões que eram maiores e mais fortes — Não saiam. Morte. — ele fez um sinal com a mão no pescoço, como se uma faca passasse por ele.
Essas quatro palavras e gestos foram suficientes para que entendêssemos que estávamos sendo vigiados e que qualquer tentativa de fugir ou sair dali de dentro, resultaria em nossa morte. E depois do que acabamos de presenciar, sabíamos que eles não hesitariam em nos matar.
A tenda em que estávamos era minúscula e não possuía nada demais, além de palhas amontoadas e baldes enferrujados.
— Eu não acredito que saímos daquele buraco em que vivíamos para sermos mortos em um ritual satânico! — Karl praguejou assim que o aldeão nos deixou, chutando uma pedra.
— Nós não vamos morrer, Karl — eu tentei o tranquilizar.
— Ainda — Victória retrucou.
— Como não vamos morrer? Você viu o que aquela louca fez com o porco? — ele apontou para a porta da tenda — Se ela fez aquilo com um animal, imagina o que não fará com nós — dramatizou.
— Vocês podem, por favor, evitar falar sobre aquele pobre animal? — Charles pediu com as mãos na barriga, ele havia se sentado no chão assim como a Victória.
— Você está bem? — Margot perguntou preocupada e se sentou ao seu lado. Charles estava enjoado e traumatizado, ele estava longe de bem.
— Vamos pensar pelo lado positivo. Eles não estavam matando nenhum ser humano, possa ser que só nos queiram como escravos — eu tentei os tranquilizar novamente.
— Esse é o seu lado positivo? — Karl perguntou de maneira debochada.
— O que vamos fazer, capitão? — Amon perguntou para o Carter que suspirou em frustração.
— Não temos muitas escolhas, a não ser cooperar com eles. Não posso arriscar perder mais um de vocês. — respondeu verdadeiro, parecendo estar esgotado fisicamente e mentalmente. Ele se afastou mais um pouco dos recrutas e se sentou perto da entrada da tenda.
— Carter — eu o chamei e o mesmo me encarou — aonde foi que a gente se meteu? — murmurei temerosa, sentando ao seu lado.
— Eu não sei, Baker — ele respondeu, suspirando e bagunçou seu próprio cabelo — eu não sei — disse, desta vez, para si mesmo.
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Dicionário:*Ọlọrun ti awọn Ọlọrun = deusa dos deuses
Iya Ẹwa = Mãe natureza
Eleda ti awọn ọkunrin = criadora dos homens
A nṣe ẹbọ ati ẹbọ lati ṣeun fun irọlẹ ti ilẹ ati fun awọn ẹmi ti awọn ẹranko ti o wọ ati ifun wa = Oferecemos este sacrifício e adoração para agradecer-te pela fertilidade do solo e pela vida dos animais que nos vestem e nos alimentam
gba, iya, ẹjẹ ẹranko yii bi ẹri ti oore ati ife wa = aceita, mãe, o sangue deste animal como prova de nossa gratidão e amor
isimi ni alafia, ẹjẹ ti ẹjẹ mi = descanse em paz, sangue do meu sangue*
Os Recrutas nesse momento:
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Ninka Baker e Os Recrutas
Science FictionQuinhentos anos após uma terceira guerra mundial sangrenta que levou a humanidade perto de sua extinção, o mundo se tornou um lugar totalmente diferente do que conhecemos atualmente. Uma terra onde a tecnologia e os costumes primitivos andam lad...