Ragnarök || Ivar, O Desossado

A Criança

Adalyn encarava as suas mãos em busca de algum vestígio de sangue, ainda que já se tenham passado dois dias desde a noite em que fincou o machado de seu marido na cabeça de um soldado. O homem havia a desrespeitado e a sua resposta natural a raiva foi aquilo. Ela não teve culpa, a culpa era totalmente dele. Ou pelo menos era isso que a jovem gostava de pensar na maior parte do tempo em que ficava com aquele assassinato em sua cabeça. Não havia o porquê de se culpar por algo que o próprio soldado havia feito, ele havia sido responsável pela sua morte.

Possivelmente iria para o inferno por isso, e a jovem sabia muito bem disso, mas aquilo não era o que a preocupava naquele momento. No dia anterior o homem que Ivar havia mandado até Caellun atrás de informações havia e retornado e confirmado a história que o soldado morto havia contado para Adalyn. O medo de seu pai havia custado Caellun, e talvez ela nunca o perdoe por isso, porém não o odiaria já que aquela escolha havia salvo suas irmãs e sua mãe. Nem tudo estava perdido para Adalyn.

- Não pode se odiar por tê-lo matado.- a voz de seu marido, deitado ao seu lado, chamou a sua atenção- Ele a desrespeitou, desrespeitou as suas irmãs.

Adalyn se virou e se encontrou encarando aquela imensidão azul nos olhos do marido, algo que ela passará a admirar nele com o passar dos dias.

- Não é sua culpa.- Ivar possivelmente dizia para Adalyn o que gostaria que as pessoas tivessem dito a ele quando o mesmo matou Sigurd- Ele te provocou, princesa.

- Eu não estou me odiando.- Adalyn continuava a encarar aqueles olhos azuis, enquanto forçava ao máximo aquela língua estrangeira- Só estou pensando o quão quente é o inferno.

A risada de Ivar pareceu a divertir naquele momento. Passará a ficar mais tempo ao lado dele, evitando assim os olhares curiosos desde que havia saído ensanguentada daquela Igreja à pouco tempo. As pessoas pareciam começar a respeitar Ivar, e então passavam a respeitar sua esposa ainda que a religião da mesma não os agradasse muito.

- Você não vai para o inferno, porque não existe inferno.- a fala de Ivar fez com que Adalyn revirasse os seus olhos- Nem inferno e nem o seu falso deus.

- Eu acredito no inferno assim como você acredita em Valhala.- agora era Ivar quem revirava os olhos pela afirmação da sua esposa- Como podemos saber quem está certo? Ou quem está errado?

- Você está errada, simples.- Ivar se divertiu com a expressão que se formou no rosto da garota- Em algum momento as suas crenças vão sumir, sei que vão.

- Ou talvez elas se tornassem ainda mais fortes só para te contrariar.- Ada percebeu o rosto do mesmo se contrair em desgosto- Não vou parar de acreditar no meu Deus só porque isso te desagrada, Ivar.

- Não, você vai perceber que o seu deus é falso.- a simplicidade com que Ivar disse aquilo impressionava a garota- Em algum momento você vai perceber isso, Adalyn.

- É o que veremos.

O olhar de Ivar a desafiava, assim como o olhar de Adalyn o desafiava.

- É o que veremos.- Ivar repetiu as palavras da esposa, em um claro ato de provocação.

O sono de Adalyn não demorou muito para a consumir enquanto ela ainda olhava para aqueles profundos olhos azuis do viking. Naquela noite, a jovem garota sonhou pela primeira vez em muito tempo. O sonho em questão parecia poderia se parecer real para ela, onde a mesma se via caminhando entre a neve grossa de algum lugar, sem mais nada além disso. Parecia ser uma caminhada tranquila e sem muito esforço, ainda que Adalyn vestisse a mesma camisola fina que havia ido dormir naquela noite, contudo após muito tempo de caminhada pela grossa camada de neve acabou dando de cara com uma grande árvore. Um carvalho. Porém, o que mais chamava atenção em toda aquela imagem eram as centenas de corvos empoleirados nos vários galhos daquela árvore, e todas pareciam olhar para a garota. Seguir cada um de seus passos. Adalyn não estava assustada, na verdade estava bastante curiosa com tudo aquilo. Não havia som algum além de sua respiração, e os corvos continuavam a vigiar a princesa.