A Feiticeira

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O Vidente havia sumido dias antes da neve parar de assolar Kattegat, desapareceu sem vestígios, sem despedidas e nem mesmo o sinal de um possível retorno. Simplesmente havia desaparecido como uma fumaça no ar.

E aquele fora um dos sinais de que a era de ouro dos vikings estava chegando ao fim, pelo menos, essa era a visão de incontáveis pessoas ao longo de toda Noruega. O sumiço do Vidente, a invasão dos russos e a guerra próxima, a morte de velhos heróis, todos pequenos passos para o fim do velho mundo, dos velhos costumes e até mesmo, da perdição dos deuses.

E foi com esse tormento que Adalyn passou seu inverno.

A idéia de que o fim estava próximo não era a mais reconfortante, e talvez essa seria o motivo da criação de tantos deuses e crenças; a esperança de continuidade, de que o amanhã viria, ainda que com muitas perdas e lutas, o amanhã seria uma certeza. Talvez a única. Se pedisse, se orasse, se sacrificasse, se chorasse, se implorasse. Talvez fosse por isso que buscasse algum sinal dos deuses, uma mensagem ou significado, porque eles eram a esperança de que haveria um amanhã.

A maldição de ser humano, de sangrar e morrer, de sofrer e quebrar. Talvez tivesse sido assim que Adalyn percebeu o quão nada ela era, o quão mortal e fraca poderia ser, o quão pouco podia fazer ou mudar. Tudo começou quando Lagertha morreu, logo em seguida seus constantes atritos com Bjorn; e depois viera um doloroso golpe para o seu ego, o cerco de Harald e o casamento do próprio com Edith, a sua irmã caçula. E como se nada pudesse a quebrar tanto, os russos vieram e tomaram Edith embaixo de seu nariz, fácil e rápido.

E naqueles dias, Adalyn se sentiu uma ninguém. Foi como reviver os dias que vivia na sombra da fortaleza de Caellun, manchada pelos desejos que o pai tinha de ter tido um herdeiro homem, atrás do favoritismo de Cordelia e na mira do amor de sua mãe, Winifred. Adalyn não tinha voz, não podia ter desejos ou ordens, seria apenas um objeto de reprodução que seria entregue ao reino do Wessex, para casamento com Aethelred. E então, ao se casar com Ivar teve tudo o que tanto desejou interiormente por anos; teve voz e poder, se tornou alguém de verdade.

E foi esse mesmo poder que a colocou em um pedestal perigoso, em uma visão de superioridade que a cegou por bastante tempo. Tinha seguidores, tinha aliados e tomou Kattegat de Ivar. Se sentiu tão poderosa ao fazer isso, tão forte e imbatível, como se o mundo estivesse de joelhos para ela.

Por isso doía tanto admitir sua derrotas e perdas, assistir Bjorn tomar decisões sem ela, ver o quanto Thorunn podia ser distante, observar a forma que algumas pessoas passaram a ter raiva de seu nome. Como alguém como ela poderia ser posta de joelhos? Com tantas incertezas silenciosas?

A Escolhida de Odin nunca iria dizer em voz alta os seus medos, muito menos contar como a incerteza da vida de Edith a sufocava durante a noite. E por isso, seguiu os passos que seguiu naquela manhã.

Por esse motivo havia recorrido a desconhecidos e informações duvidosas para chegar onde estava. Havia acordado antes que os escravos, se preparado em silêncio e percorrido toda Kattegat com a menor atenção que ela podia ter. E aquele era apenas o início da sua jornada para o que desejava alcançar.

As árvores se tornaram mais densas, assim como a vegetação mais abundante, o som dos animais ao seu redor se intensificavam quanto mais a rainha adentrava a floresta, deixando Kattegat como uma imagem distante de seus olhos e ouvidos. Estava longe de casa e completamente sozinha, mas isso não importava coisa alguma para Adalyn.

Odin havia dado seu olho por conhecimento, e ela poderia dar muito mais pelas informações que tanto desejava.

Seus pés se afundavam no mato, e Adalyn olhava muito bem onde pisava para não pisar no lugar errado e atrair a atenção desnecessária. Nunca havia ido em cantos tão remotos da floresta que circundava Kattegat, e duvidava muito que voltaria ali um dia. No entanto, aproveitou de sua longa caminhada para ouvir o cantigo dos pássaros empoleirados nas altas árvores, e apreciar o som que apenas a natureza poderia proporcionar para si, tão barulhento e silencioso ao mesmo tempo.

Ragnarök || Ivar, O DesossadoWhere stories live. Discover now