O Olho do Furacão

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Os olhos de Adalyn acompanhavam as poucas pessoas que transitavam no grande salão naquela manhã cinzenta que castigava Kattegar. O lugar, que raramente estava vazio, parecia acompanhar a sensação de tormenta que ainda batia nos portões do reino.

A mesma sensação que tomava os pensamentos da rainha, que ainda convivia com o fantasma que o casamento de sua irmã caçula havia trazido em sua vida ao longo daqueles dias que sucederam a cerimônia. Tudo havia sido rápido demais para que Adalyn pudesse digerir, mas a maior parte do exército do Rei dos Reis havia partido nos dias anteriores, porém uma forte nevasca atrasará a ida de Harald e Edith para longe de Kattegat.

Quando o frio congelou a água e a neve se tornou tão grossa que impedia o transitar das pessoas, foi quando uma paz momentânea se fez presente em Adalyn. Paz por ainda poder vigiar e tratar de sua irmã mais nova, mas ao mesmo tempo tendo que lidar com aquela sensação de derrota ao encarar os olhos esmeraldas da jovem e inexperiente rainha. Eram as pequenas e pessoais derrotas que mais incomodavam Adalyn, e claramente aquela união era uma parte dessa coleção de desgraças que rondavam a sua mente.

Era seu dever proteger Edith, como havia prometido ainda na Inglaterra, e vê-la todos os dias ao lado de Harald era quase uma tortura aos olhos da rainha de Kattegat, já que percebia a todo momento o quanto havia falhado em sua promessa. Naqueles momentos se lembrava o quanto Winifred havia criado as filhas para esconderem seus reais sentimentos, e se questionava se Edith começou a seguir os ensinamentos da mãe.

Os olhos de Edith eram tristes, e seus ombros ainda estavam caídos, mas a sua expressão passou a se manter alheia. Nem de longe parecia a postura de uma rainha, porém sua face não estava mais marcada por suas lágrimas.

E foi em meio a tudo isso que Adalyn percebeu que a morte de Lagertha havia sido o marco inicial de todas as rachaduras de seu orgulho, já que muitas perdas vieram a acontecer sucessivamente após aquela última batalha que ceifou a vida da velha escudeira.

E era nesse fato que Adalyn tanto pensava ao assistir Ubbe preparar os tripulantes de seu barco, que em poucos dias sairiam rumo à uma terra nova e abençoada pelos deuses. E também, quando via Harald ao lado de sua irmã, ou ainda quando escutava Bjorn abandonar o aposento dos dois para alguma cabana qualquer, onde passaria horas e horas mergulhado em seu próprio prazer ao lado de Ingrid, a escrava. E acaba sendo no olhar dessa mesma escrava que a rainha de Kattegat enxergava onde descontaria toda a sua grande frustração.

Ingrid tinha aquele mesmo olhar ambicioso de Freydis, a mesma forma superior de andar e sorrir para o rei de Kattegat. No final, as duas não eram diferentes. Eram escravas bonitas que chamaram a atenção de seus reis e que desejaram a coroa que pertencia a outra mulher, zombando da mesma durante o processo. Por alguns dias Adalyn até mesmo conseguiu ignorar os flertes de Ingrid e de Bjorn, mas quando percebeu a ambição que corroia a face irônica e dissimulada da loira, Adalyn teve certeza que poderia mata-lá.

Na verdade, talvez o final de Freydis e Ingrid pudessem ser igualados, mas dessa vez Adalyn não abriria mão de sua tão preciosa coroa. Dessa vez, ela de livraria de qualquer ameaça; não por ciúmes, como quando desejou matar Freydis, e sim pelo mais puro orgulho e a mais voraz ambição que vivia em seu peito. E ao pensar nisso, Adalyn se lembrava o quanto nunca se importou que Bjorn tivesse outras mulheres, mas nunca aceitaria dividir o trono com outra pessoa, nem que para isso tivesse que tirar o seu segundo marido de seu caminho.

Não precisaria pensar muito para decidir qual dos dois valia mais. O trono ou Bjorn? Para Adalyn, a resposta era muito nítida.

Bjorn e Adalyn não eram mais um casal, e apenas governavam Kattegat lado a lado, ou pelo menos era isso o que ainda acontecia ali. Os dois ainda unidos pelo fio frágil que sustentava o trono de Kattegat, que enquanto se mantivesse equilibrado não custaria a vida de ninguém. Contudo, a rainha já tinha os seus planos para quando essa realidade mudasse.

Ragnarök || Ivar, O DesossadoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora