Pelos Deuses e Pecadores

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Adalyn nunca poderia explicar a sensação de abraçar Edith após tanto tempo sem saber seu paradeiro, sem saber se estava viva ou morta. No entanto, no momento em que abraçou verdadeiramente a sua irmã mais nova, ela sentiu uma parte de suas rachaduras se curarem após todos aqueles longos tormentos.

A guerra não havia terminado, e logo os russos bateriam em seus portões. Bjorn ainda agonizava lentamente em sua cama, e logo ele morreria.

E mesmo assim, Adalyn se permitiu agradecer os deuses por sua irmã estar viva. Viva. Edith havia sofrido muito ao longo de sua vida, desde a França até o momento em que desmaiou nos braços de Ubbe naquela praia. E todos os momentos em que Adalyn olhava para aqueles olhos verdes acaba percebendo o quanto a luz inocente que brilhava ali havia sido perdida em meio a tantos traumas, acabando matando qualquer sorriso verdadeiramente feliz que a jovem já havia dado em sua vida.

Edith passou dois dias sem sair daquela cabana próxima ao grande salão, tanto para se recuperar de seus ferimentos como para evitar qualquer questionamento vindo das pessoas sobre o trono da Noruega, já que ela era esposa de Harald Finehair e rainha da Noruega. Logicamente ninguém havia descoberto que fora Edith que apunhalou o homem naquela praia, ninguém além de Ubbe devia ter presenciado aquele momento tão esperando. No entanto, muitos já haviam começado a impor que Edith não poderia ficar no trono, e nem mesmo anunciar a irmã mais velha como a verdadeira rainha de toda Noruega; ao mesmo tempo em que vários outros já aceitaram Bjorn Ironside como rei por conta própria.

Contudo, Edith não havia saído da cabana em nenhum momento para falar ao povo sua decisão, deixando ainda mais lacunas em aberto.

Muitos esperavam que ela se preparasse para a cerimônia de Harald, mas ela nem mesmo respondeu as pessoas que iam atrás dela.

Na realidade, a jovem de olhos verdes acabou ficando a maior parte do tempo ao lado de Ubbe, e também recebendo cuidados de Sigrunn, que hora ou outra a visitava para checar a febre e verificar suas feridas. E de outro lado, Adalyn rapidamente se viu tendo que deixar a irmã para preparar Kattegat para a guerra, ao mesmo tempo em que enviava emissários em busca de mais jarl e reis, que pudessem disponibilizar seus exércitos para a grande batalha que se seguiria em poucos dias.

Todo instante contava, e Adalyn tentava aproveitar de tudo o que conseguia para salvar a Noruega, ou ao menos tentar.

Adalyn lutava contra o seu cansaço constante, contra a sua raiva e contra a sua tristeza, e mesmo assim não sentia que fazia o suficiente para salvar o povo e a terra dos russos. Abdicava do tempo ao lado de quem amava para verificar as armadilhas nas florestas, nos muros e em Kattegat, assim como para delimitar novos planos ao lado de seu pequeno "conselho", sendo ali o único momento em que tinha ao lado de Ivar, ainda que fosse apenas para discutir alguma estratégia ao lado de tantos outros guerreiros e escudeiras. E assim, todas as horas contavam para eles, martelando furiosamente na mente de Adalyn, que sabia bem que em breve Bjorn morreria e os russos atacariam ao saber disso, ou até mesmo antes. Estavam sem aliados o suficiente, sem guerreiros que pudessem enfrentar aquele poderoso exército russo, e nem mesmo os dois reis dinamarqueses voltaram após recuar na praia.

E no entanto, no meio daquela bagunça em que aqueles dois dias haviam se tornado, Adalyn seguiu o seu coração e voltou até a sua irmã, ainda que soubesse praticamente tudo o que Edith estava fazendo, assim como as suas duas únicas companhias, Ubbe e Sigrunn.

E agora, ela apenas observava a silêncio jovem sentada na cama, vestida em um vestido novo e simples de cor azulada, e já com a pele limpa de todo o sangue e sujeira. O cabelo curto estava limpo e completamente jogado para trás, e Adalyn pode ver que alguém havia consertado as mechas irregulares que Edith havia feito em um primeiro momento. Os machucados e as queimaduras de Edith pareciam muito melhores, e alguns até mesmo pareciam desaparecer deixando nenhum ou poucos rastros de sua existência naquela pele pálida, deixando Adalyn curioda a respeito da capacidade de Sigrunn em curar todos os feridos com tanta maestria. No entanto, Adalyn enxergava com clareza a marca da cruz na face da irmã, assim como ainda podia enxergar a marca das queimaduras em suas mãos. Melhores, é claro, mas nunca sumiriam.

Ragnarök || Ivar, O DesossadoWhere stories live. Discover now