Quando o Corvo Voou

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A neve havia derretido por completo em Kattegat, sem vestígios de que estivera ali por longos meses. No entanto, o cenário não havia mudado tanto com o seu fim, já que o clima permanecia frio e a paisagem continuava acinzentada.

E aquela mudança não era a única a qual o povo de Kattegat havia sido submetido, já que logo após o sacrifício da dama do escudo Siv, estatuais de madeira de Ivar foram espalhadas pelo lugar. O intuito era bastante óbvio para a maioria das pessoas. Os cidadãos deveriam amar e adorar o rei, ou então, o temer. E para aqueles que não se encontravam satisfeitos com nenhuma dessas duas opções, acabava por restar apenas uma escolha, a morte. E fora nessa última opção que muitos vikings escolheram como a correta, onde era mais justo morrer do que adorar um falso deus, um tirano.

E em meio a isso, a rainha de Kattegat acabará perdendo a cada dia o gosto de aparecer no grande salão e assistir o ruir daquele lugar. Ainda que Ivar tivesse seus apoiadores, e não eram poucos, era difícil para Adalyn ver pessoas inocentes pagando pelo ego de seu marido. E por mais que tentasse, não conseguia mais enxergar bondade naqueles olhos azuis. Além do mais, o casamento dos dois parecia estremecido pelo assassinato de Siv, chegando a voltar a hostilidade dos primeiros dias em que se conheceram.

Se Adalyn soubesse o que custaria manter a coroa de Kattegat, ela nunca teria participado da guerra contra a Lagertha. Ao seu ver, foi no exato momento em que tomaram a terra que tudo começou a ruir. Desejava mais do que tudo voltar naquele dia, e ver como as coisas teriam sido se Ivar não tivesse ganhado de Lagertha e de seus irmãos. Adalyn queria saber se o momento atual seria melhor. Existiam momentos que se sentia perdida, dividida entre o assassinato de sua escudeira e o amor que sentia pelo marido.

E era por isso que tomou as suas últimas escolhas, e decidiu retornar à um lugar em busca de respostas.

A velha e afastada cabana permanecia da mesma forma como a última vez em que estivera nela. Decorada com redes e caveiras diversas, que iam desde crânios animais aos humanos, e sendo precariamente iluminada por algumas velas que eram espalhadas pelo local, o que acabava por deixá-lo parcialmente na escuridão. A cama improvisada e o banco permaneciam no mesmo lugar do outro dia, e sendo cobertos por camadas de peles. Tudo parecia como antes, intacto pelas semanas que sucederam aquele encontro.

Nada ali parecia ter sido atingido pelas mudanças que todos os cidadãos de Kattegat haviam sido afligidos. Intocável.

Assim como a figura deformada do homem em pé ao canto da cabana, em frente à uma pequena mesa que Adalyn sequer havia reparado anteriormente. A jovem se questionava quantos anos o homem teria, ou então, os séculos que o mesmo deveria estar vagando por está terra. O rosto marcado pela cobertura de peles e mais peles, que acabaram por tampar os olhos do vidente e o deixaram com uma fina abertura em sua boca, naquele momento sendo marcada pela presença de uma forte tinta preta.

- Adalyn, a protegida de Odin.- a voz do Vidente causava certo arrepio em sua pele, mas a jovem mantia a expressar séria em sua face- Já esperava o seu retorno à algum tempo, garota.

O lugar poderia ter se mantido de forma quase inalterada, porém as circunstâncias não eram as mesmas de sua primeira visita. Daquela vez, Hilde não havia a guiado até aquela velha cabana e nem mesmo a esperava do lado de fora, e nem mesmo existia uma barriga de grávida a fazendo companhia. Pela primeira vez em meses, Adalyn se via completamente sozinha.

- Diga o que deseja, menina, diga.

- Se já me esperava, creio que já imagine o porquê estou aqui.- os olhos cautelosos da jovem se mantiveram na figura deformada, enquanto o mesmo caminhava em meio às sombras.

- Claro que sei o que deseja, menina tola, mas quero ouvir de sua boca o que deseja saber.

- Desejo saber sobre o meu destino, não é para isso que as pessoas vêm até aqui?

Ragnarök || Ivar, O DesossadoWhere stories live. Discover now