Ragnarök || Ivar, O Desossado

A podridão da terra

Edith havia partido ainda tomada por sua incomum raiva, e mesmo assim não demorou muito para que a jovem percebesse que Adalyn não havia mentido para ela sobre como as coisas seriam.

Seus companheiros de viagem claramente menosprezavam a sua presença, com exceção de Turid, que se mostrava a única com uma mínima compaixão no olhar. E além disso, a alta mulher estava ocupada demais vigiando a floresta ao redor da estrada para se dar ao tempo de olhar torto para a jovem rainha.

Rainha de toda Noruega. Esse título não valia nada tão longe de Harald, Adalyn ou até mesmo longe de Ubbe. No entanto, Edith não esperava que todos ali iriam a tratar com alguma dignidade ou apreço, e essa situação até mesmo parecia ridícula ao olhar dela. E mesmo assim, ao decorrer de três dias que percebeu o quão odiada alguém poderia ser; desprezada por lembrar aquelas pessoas que Adalyn não surgirá do nada no horizonte, e na verdade, havia nascido na Inglaterra em berço cristão. E esse era o lado da história que o povo evitava contar nas lendas sobre Adalyn Ravencrone, sobre o fato dela ter nascido em terra inimiga. Logo, era fácil ocultar esses fatos.

Contudo, Edith era uma confirmação viva de onde Adalyn havia nascido e crescido, e por isso acabara caindo no ódio de algumas pessoas. E claro, muitos haviam visto o novo título de Edith como uma traição clara a tudo o que Adalyn havia feito pela mesma; aquela coroa deveria pertencer a Ravencrone, e não a uma jovem que não conseguia se encaixar direito nos moldes da sociedade viking. Para eles, Edith era uma traidora ao se infiltrar e roubar a coroa que deveria pertencer à Adalyn.

E quanto mais se distaciavam de Kattegat, mais isso ficava claro aos olhos da jovem saxã.

Ela gostaria de expressar a cada um deles que nunca desejou aquele título, na verdade, nunca almejou nenhuma coroa. A única coisa que desejava encontrar ao fugir de seu destino na Inglaterra era liberdade, e nada além disso. E por breves momentos encontrou tal liberdade nos dias que compartilhou ao lado de Ubbe, dias esses que pareciam muito distantes.

Então, Edith sempre se lembrava que estava ali apenas para provar que Adalyn estava errada, e não para ganhar a simpatia de pessoas tão irrelevantes como aqueles que a acompanhavam.

Porém, nada mais do que pensava ou sentia importava naquele momento. Havia feito uma escolha ao aceitar se casar com Harald e poupar o povo de mais uma guerra, mas agora ia de encontro a um rastro de destruição que era percebido vividamente com o passar do tempo na estrada. Fazendas queimadas e o cheiro da morte se tornava a cada momento mais frequente, mas isso não era nada demais perto aos horrores que viu ao cuidar de feridos após a última batalha por Kattegat. E esse era o preço de sua nova vida, estar habituada ao cheiro podre do sangue derramado.

Sua mãe, Winifred, havia ensinado que o certo a se fazer em momentos de conflitos era seguir em frente, e era isso que ela continuaria fazendo. E por isso poderia ignorar toda a aversão que as pessoas sentiam por si, porque sabia e sentia que um dia poderia provar a eles que tinha capacidade de ser uma boa escudeira, ou qualquer outra coisa que a permitisse ser livre.

Agora era o momento de provar o erro de sua irmã, e em algum momento poderia também provar o erro dos demais.

Era assim que gostaria de se enxergar em alguma próxima primavera, livre.

E então, os olhos de Edith miraram as árvores ao seu redor, admirando por breves minutos a paisagem bela e quase intocada pelas mãos humanas. Acabou pensando o quão bom seria morar longe de toda a agitação do centro de Kattegat, em como seria construir o seu próprio lar e cultivar seus alimentos e animais. E aquela sim era uma visão que a agradava, e não aquela coroa que havia sido posta em sua cabeça.

Não que isso fosse relevante, mas a vida na realeza sempre foi algo distante em seus sonhos infantis.

- Devo parabenizá-la por sua coragem, eu acho.- a voz rouca de Turid chamou a atenção da jovem, que estava presa demais em seus pensamentos.