A cantiga do corvo

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Os olhos azuis de Ivar acompanharam as ondas durante boa parte da manhã, as assistindo se formarem e se quebrarem diante de sua visão, e também ignorando os ventos gélidos que o acompanharam durante todo aquele longo tempo próximo ao mar. E mesmo assim, ele se aproveitou do silêncio e da solidão para pensar.

O Desossado estava cansado daquela vida pacífica que lhe fora entregue, da forma que fora diminuído de um deus para um pobre aleijado. Estava cansado da piedade dos outros, e até mesmo preferia quando os outros sentiam raiva de sua presença. Piedade ao pobre aleijado, que fora arrancando do trono por seu meio-irmão Bjorn, traído por seu povo, abandonado pela esposa.

Pobre aleijado. Apenas isso.

Houve uma época que só desejava ser amada pelo povo e por sua família, mas um dia percebeu que isso nunca aconteceria. Então, passou a sentir raiva de todos e foi a partir desse momento que ele percebeu como ser temido era melhor do que ser amado. Se temiam você, não iriam zombar de suas pernas, iriam seguir suas ordens e acreditar em suas palavras. Matou Sigurd por isso, por estar cansado de ser a piada de alguém.

E foram as suas pernas defeituosas que o tornaram tão forte como ele era, que o forçaram a trabalhar a sua mente e para no fim perceber que a mente era uma arma melhor do que qualquer outra.

Ficou anos no trono de Kattegat com isso, governando o povo com a sua mão de ferro e sua mente estrategista e tão impiedosa. Se sentia um deus. Se sentia invencível. E realmente, eles deviam teme-lo; ele, filho de Ragnar Lothbrok, temido por tantos homens.

Ele desejava matar e triunfar, e durante muito tempo fez isso. Ivar seguia o conselho de seu pai, de usar a sua raiva de forma inteligente, e pelo menos acreditava ter feito as melhores escolhas durante aqueles anos que governou Kattegat. Contudo, mesmo assim ele acabou sendo traído e destituído de seu trono, de sua coroa.

O que o sobrou de seus dias de glória? Aparentemente, nada havia ficado com ele. Nada.

Tinha Thorunn e sua rebeldia, tinha Heimdall e sua personalidade, e também tinha Adalyn. Ou pelo menos, costumava acreditar que a tinha de alguma forma, já que dividia suas noites e prazeres com a rainha de Kattegat. No entanto, para muitos ela ainda era a esposa de Bjorn.

Então, nem mesmo a mulher que amava parecia ser sua por inteira. Nem seu filho parecia seu por inteiro, já que o menino havia sido criado por Ironside e por isso Heimdall o amava, e até mesmo idolatrava de certa maneira. E no fim, tinha Thorunn. A garota não tinha o seu sangue e mesmo assim tinha a sua personalidade, sua rebeldia, e parecia até mesmo incontrolável em diversos momentos ao decorrer de seu crescimento. E talvez esse fosse outro erro seu; a maneira que criou a filha a deixou sem limites ou até mesmo regras, como a filha de um deus.

Agora passava os seus dias naquele estado inerte, pensativo e rancoroso. Sua voz mal era ouvida naquelas incontáveis reuniões e nem mesmo as pessoas pareciam o respeitar como antes. Estava cansado de Ironside e de suas ordens, estava cansado de ser apenas mais um na multidão.

Ivar, o Desossado havia nascido para ser muito mais do que isso.

E era nisso que o viking pensava ao olhar para as ondas, que se quebravam tão fácil assim como seu trono havia sido tirado de suas mãos, assim como a sua esposa havia partido, assim como seu filho havia crescido sem os seus ensinamentos. E este havia sido o preço que pagou por acreditar ser um deus, por acreditar ser alguém invencível e inquebrável.

Agora, se sentia como um ninguém.

Ver o usurpador de seu trono e esposa todos os dias era quase uma tortura para sua raiva, para o desejo de matar Bjorn Ironside. E possivelmente, Ivar o mataria daqui pouco tempo e voltaria ao trono de uma forma ou outra.

Ragnarök || Ivar, O DesossadoHikayelerin yaşadığı yer. Şimdi keşfedin