Capítulo 39

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Na mesa do refeitório, sentamos Natanael, Ieda, Hermes e eu. Na hora do intervalo, eu tento ser apenas João Carlos, não o professor. Eu escuto eles me contarem sobre seus sonhos e eu desejo que eles tenham garra e sabedoria para realizá-los, não vai ser fácil, eles alcançaram seus objetivos com determinação.
Não dou muita abertura para a Ieda, mas a trato com cordialidade, eu espero que, tendo uma amizade comigo, ela consiga entender que não poderá haver nada entre nós nem hoje, nem nunca.
Gostaria que ela percebesse pelas minhas ações e pela minha cordialidade que eu tenho algo de diferente dos outros homens, mesmo porque se eu dissesse que sou homossexual, ela não iria acreditar, pois ela está muito apaixonada por mim.
O assunto de nossa mesa hoje foi direcionado à doação de órgãos. Ieda me surpreendeu dizendo que, se um dia morrer jovem, pois todos estamos sujeitos e não sabemos e nem imaginamos quando irá acontecer, doará seus órgãos para permanecer viva em outras pessoas.
Uma menina de dezoito anos apenas pensando nas outras pessoas, isso me chamou a atenção.
— Professor, pense comigo, se mais pessoas doassem órgãos, ia ser a diferença entre viver e morrer para muitos que estão aguardando na fila de transplantes.
— Ieda, os seus pais sabem desse seu desejo, querida?
— Sim, professor, eu disse a eles quando completei a maior idade penal. — Eles me disseram que não vai acontecer nada, mas vão respeitar a minha decisão se acontecer.
Noto uma lágrima tímida no olho esquerdo de Ieda, que ela limpa com dedo indicador.
— Amigos, eu vivo cada dia de minha vida intensamente, pois nunca sabemos quando será nosso último dia na terra.
As palavras de Ieda não comoverão só a mim, como também mexeram com Natanael e Hermes.
— Amiga, seu pensamento é muito bonito, mas não vamos pensar em morte, somos jovens, ainda temos que viver e nos divertir, amar, passear, estar ao lado das pessoas que amamos e não desperdiçar o tempo com elas discutindo por bobagens.
Hermes beija os lábios de Natanael com um selinho, corajosos, pois qualquer demonstração de amor entre dois rapazes é considerada abominável, mas eu achei lindo, pois eles se querem e sei que vão continuar se querendo.
E isso me mostra que o amor entre dois homens pode ser puro, sim, olho para os dois sentados um ao lado do outro e me lembro de Vladimir e eu aos dezesseis.
Dois rapazes cheios de sonhos e com determinação, tentando adquirir o conhecimento necessário para realizar esses sonhos.
Quando o sinal toca, nos levantamos e caminhamos para nossos respectivos deveres. Eu tenho mais três aulas com as turmas do primeiro ano.
Ieda toca o meu braço e eu me volto para ela:
— Não se preocupe comigo, gatinho, eu ainda vou viver muito ainda, quero passear, fazer amigos e viver um grande amor.
Ela pisca para mim e caminha até a sua sala, eu, por minha vez, pego meu material e vou para a sala do primeiro ano que me aguarda, mas as palavras de Ieda quanto à doação de órgãos me voltam à mente, talvez seja pelo motivo de que estou na fila para o transplante de coração.
Levo a mão ao peito e me lembro de que o meu coração está fraco, que qualquer emoção mais forte pode me matar. As palavras de minha aluna me emocionaram, como pode uma jovem de apenas dezoito anos ser tão sensata e tão empática com o seu próximo?
Dou minha aula sentindo uma energia positiva, embora eu sinta um pouco de cansaço devido a meu fraco coração, eu tento manter a positividade, eu quero no futuro conhecer mais pessoas assim como a Ieda, de coração puro.
Essa jovem merece um rapaz que a ame e a valorize, eu não posso corresponder ao que ela sente, pois sou declaradamente assumido gay, e amo o Vladimir.
E ela merece um jovem tão sensível e tão humano assim como ela.
Meu período de trabalho termina e, quando saio da escola, lá está ele à minha espera.
Ando rapidamente até o carro, pois não posso correr, e ao entrar não penso em mais nada, puxo o meu amado para um beijo apaixonado.
— João, o que foi isso, se preserve, amor, não quero que você sofra perseguição por ser homossexual.
— Não vou, amor, não se preocupe, até chegar o meu coração, eu quero viver intensamente.
Vladimir dá a partida no carro e me leva para casa.
— Amor, hoje eu tenho plantão, acha que ficará bem sozinho em casa?
— Ficarei, amor, não se preocupe, estarei em boa companhia, o Alisson está lá.
— Vou confiar, amor, mas se sentir qualquer coisa, não deixe de me ligar, eu mando o resgate até você.
Agradeço a preocupação que meu amor tem comigo, não quero preocupá-lo, mas eu me senti um pouco mais cansado que os outros dias.
Amanhã eu tenho retorno com o Dr. Adrian e vou dizer isso para ele.
Se for necessário, eu terei que abandonar as aulas, pedindo licença ao estado.

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