EsperanczA

14. Parte 4

Quando adentravam o dormitório, viam guardas reais ao redor dos corredores nos quais estavam os corpos junto aos servos, que deviam estar a limpar o sangue vermelho e azul do chão – um dos homens, aquele acertado com o arremesso de lâmina de Khlaos, era de sangue azul. Ela perguntara a Yívan sobre azuis realizando aquele tipo de atividade, porém dissera ele que a matriz cultural não implicava todo e qualquer que possuísse aquela característica física, que no fim de tudo eram apenas pessoas confusas no mundo e nenhuma amarra humana superficial poderia impedi-los de adotar comportamentos indevidos ou preferir outras crenças.

Ele não a conseguira deixar só, estava com ela no banheiro individual. Por respeito, mantinha-se de costas para a banheira na qual ela estava imersa. Não seria capaz de deixa-la isolada novamente, não importa o quanto ela dissesse que no interior da moradia dos templários estava assegurado. Ela apenas permitira que ele estivesse por perto porque não se incomodava com a presença e entendia a insegurança fundada do outro. Yívan não mais se sentia seguro naquele lugar e toda a situação revelara o que tanto já previa. Não parecia real, mas deveria sair dali depois de anos trancafiado como um detento pelos sacerdotes.

― Vamos pensar de novo. Tudo é trabalho e amor, se nós temos divisão de trabalho e sabemos como o outro se comporta, podemos viver em sociedade. O resto fica por conta própria do indivíduo, desde que eles não abusem do outro, tudo está valendo quanto a amor e este grupo pode, sim, socializar ao redor de interesses em comum, desde que não virem fanáticos capazes de ferir a natureza ou suas criações em prol do fanatismo. Se todos nos organizamos direitinho, todo mundo fica de boa.  ― Ama passara a dar uma aula de "política ideal para idiotas" enquanto esfregava ao corpo para retirar ao sangue. Ele ria vez em quando, recostado no espaço enquanto focava em ouvir sua voz a dizer obscenidades intelectuais vez em quando, fazendo-o rir ― Valorização do questionamento e dúvida de respostas pré-determinadas. Se existe uma responsabilidade dentre nós, é a de pensar. Se tu não fores o caminho inteiro, nem vá, pois continuará a não chegar em lugar nenhum. Eu jamais arrisquei uma unha minha por um meio compromisso tão praticado por outros. Nosso cérebro não mágico é a máquina de alto funcionamento mais complexa feita pela natureza, porém que é incapaz de ser imparcial e está sendo sempre guiada pelas ramificações de nossa parcialidade, mas o potencial lá está. O teu processamento deve estar apontando, de todas as simulações, para aquela mais completa. ― ela para de falar ― Deus, eu preciso parar de falar. A alucinação sensorial está descendo forte.

Ele solta uma gargalhada com a nova mudança de tom.

― Não, mas pense só... Nós somos algo como... Nós somos plantas com sentimentos. O quão perturbante é isso? ― e joga sabão para fora da banheira enquanto Yívan ri.

― Meu deus... O que tu sabes sobre perturbante? Olha o que acontecera contigo? Tu não achas a isso perturbante? Tu achas mais perturbante a ideia de sermos plantas com sentimentos? ― Yívan brande aos braços, cansado, mas ainda vivo para as lógicas absurdas da outra.

― Umas duas facadas são superáveis, mas planta com sentimentos não. Facadas são curadas, mas nós morremos como plantas sensíveis, é a nossa condição.

― Impossível... ― Yívan já se encontra cansado demais para estar sorrindo das besteiras fáceis que ela poderia dizer.

― Possível. Eu não sou chupa-cu de gente medíocre, logo é impossível me render à obsessão induzida por eles.

Yívan sofre mais uma falta de ar da qual não esperava. "Chupa-cu", ele não era capaz de guardar em si as proporções linguísticas oferecidas por Ama.

― O que é isso? ― ele consegue perguntar. ― Eu não entendi nada.

― Como não? Todas as palavras que eu usei estão na tua língua. ― ela é indiferente.