CAPÍTULO 4. Porteiro

18 9 0
                                    

Dois dias caminhando durante todo o dia e boa parte da noite. Ama estivera concentrada em admirar as passagens percorridas por ela raras vezes durante sua vida. A cada mudança da espécie de plantas dominante, seu estômago pesava, os passos se tornavam mais duros e cientes do custo da determinação. O tempo se passara como um lapso, esquecido e persistente. Ela tocava nas árvores enquanto passava vez ou outra, colhia uma pequena fruta dos arbustos.

Khlaos os havia direcionado a uma estrada distante da principal com a intenção de não ser visto tão exposto e, explicando-a, para evitar saqueadores e resquícios de caravanas de pessoas de segundas intenções. Assim que entraram na estrada principal, antes de fazer desvios, avisara que a vida dela não estava mais assegurada por nenhum sistema. A nobreza não desejava representantes trabalhadores, muito menos da lavoura, e eles não tinham problema algum em rebaixar-se, diferente dela, para já fazer esses cortes de indivíduos não submissos. Ama havia aceitado os conselhos. Seria estúpido, de fato, cercar a mente por barreiras e ele já havia deixado de tentar impedi-la. O mercenário não parecia feliz, mas a estava a ajudar; ela recebia as novas informações e as avaliava.

Ama havia se tornado silenciosa após a despedida de sua lavoura e a entrada em trilhas menos povoadas, Khlaos não importunava ao silêncio e apenas retirava a máscara para comer. Quando caía a noite, acendiam uma fogueira. Quanto mais se distanciava de sua lavoura, mais confusos eram os sinais da natureza próximos a ele. Ama não conseguia conversar com a floresta perto dele e tampouco as plantas iluminavam-se por eles. O fogo prejudicava a visão e Ama sentia-se um cego, mas mantinha seu objetivo como força. Concentrava-se na mágica que existia em si e na natureza mesmo que naquele momento não a sentisse tão clara.

O medo vinha, perturbava e passava, assim como a emoção de finalmente poder se arriscar por seu sonho, colocando sua vida na aposta, sua única propriedade. Uma vez que a oportunidade fora tão esperada e apenas poderia ocorrer uma vez em sua vida, a pressão da conquista imperativa a abalava. Era tudo ou nada, agora ou nunca. Unia suas duas mãos vez ou outra para combater o tremor e ainda se sentir uma criatura concreta no mundo, não se rendendo apenas ao emocional. A expectativa assolava.

Caso não conquistasse o que viera ali fazer, poderia acabar morta e incapaz de trabalhar para sobreviver, passaria a vagar no mundo como um indigente e, de certo, acabaria como uma das vítimas da crueldade humana. Seria isto, miséria, ou possuir o cargo de valor máximo no reino humano, sem ponto intermediário. Seu motivo máximo para viver era o único que se apresentava como base disponível a partir do momento em que saíra da lavoura e da mágica tímida que tanto a conhecia. As mãos suas que também sempre andavam em luvas estavam eternamente cortadas pelo trabalho duradouro e agora que as retirara por não haver mais de lavrar, lidava com a sensação da própria pele.

Pele calejada e mãos trêmulas, não sabia diferenciar se era temor terrível ou excitação mais uma vez. Seus pensamentos estavam cheios de cores quando não variavam para o preto e branco, em uma bipolaridade que lhe causava quietude e observação ruim dos arredores.

Em certo ponto do silêncio e de uma pausa noturna para comer, Ama não se contivera ao ver os fios do outro negros – acompanhados de olhos castanhos, mas a pele mais pálida que a sua natural, fazendo com que ele parecesse morto – e perguntara o que lhe passava e quais eram as implicações conhecidas da mudança. Khlaos, assumia Ama, devia conhecer os padrões de sua condição. O mercenário fora surpreendido pelas palavras dirigidas a si, mas rapidamente respondera.

Ele dissera que estava deprimido e a cabeça doía. Ama rira da resposta mais que gostaria, ele não tinha o hábito de andar por tanto tempo sem um cavalo. "Burguês safado", ela apelidara-o rindo. Khlaos frustra-se, afirmando que ele já não ocupava posição de burguesia há bons anos. Ama não escutara, mas retornara ele a falar: Sentia-se deprimido por deixar Geada para trás, citando que todos seus anos "não-burgueses" foram passados com a égua, mas já estava a passar.

EsperanczATahanan ng mga kuwento. Tumuklas ngayon