10. Parte 3

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Ama dispensava aos pensamentos sobre a possível emboscada de Khlaos contra si, não morreria dentre desespero e ansiedade, pois seu corpo estava definhando. Caso ele demorasse até o último momento para busca-la, estaria fraca demais para andar nos próprios pés e dizer sua resposta à Mandatária no arco final. Na realidade, focava nas sensações de seu corpo, estar em uma cova parecia uma coincidência grande demais, uma vez que sabia que as sequelas de seu corpo naquela instância poderiam matá-la pelo colapso dos sistemas. Estar presa indefinidamente era uma boa adição, não podia mover-se, a falta do oxigênio abundante e o consumo zerado de água apenas isolavam a mente para seu próprio complexo.

Ouvia as vozes, eram discursos alheios para si, eram presenças que a rodeavam, choros lamentosos.

"Eu quero minha inocência mágica de volta..."

"...porque eu tenho de ser punido em razão de outros?"

"Porque eu tenho a esse corpo e ele me tenta matar?"

"Tu devias haver ficado em teu lugar."

"Porque eu precisei nascer humano...?"

"Porque vida é-me prometida? A que custo? A que custo?"

"Sonhos são privilégios para quem pode realiza-los. Teu tipinho... Devia haver se apegado à simplicidade que os ricos cultuam como modo saudável de vida."

"Onde está a misericórdia da magia sobre minha alma?"

"Está quando amaldiçoaram a magia ao não a prestar respeito, está no segundo em que teus pais não evitaram o nascimento de mais uma linhagem que não deveria existir. Tu devias haver ficado em teu lugar... Morrer a céu aberto como teus pais... Aqueles que tu colocaras para morrer no campo olhando aos céus e tocando o grão-fruto que eles morreram cultivando... Melhor que morrer na cova de um mito com os sensos fechados. Haveria sido melhor..."

"Porque eu não nasci dentre eles, já que nasci, porque tenho de percorrer tão longe quando outros têm a isso tão perto? Qual é o meu direito natural dentre isto?"

"Sem água ou comida... Sem remédios, sem luz, sem movimento... Tu estás se perguntando porque eles não se saem melhor... Eu irei dizer, já que até tu tens medo de dizer... Porque eles não querem, porque tu és a marginal, por isso está tão incomodada, exatamente por isso."

"Porque eu nasci humano e tenho de fazer por merecer, mas pagando por crimes que não são meus... Porque eu preciso merecer a magia uma vez que os meus descentes a traíram e eu envelheci para parecer um pouco mais com eles..."

"Contudo, neste caminho, é mais fácil que eu me desmanche no tempo e desapareça, assim como deve ser, assim como eu não posso evitar..."

Ela faz o que estava acostumada a fazer, mas desde que entrara, esquecera.

― Oi... ― os sussurros não formavam palavras certas, mas ela sabia que, forçando sua manifestação, a magia seria considerada ― Poderiam me oferecer uma pequena luz...? Eu não gosto do escuro... Eu... me sentiria... mais viva... se existisse alguma luz... Por... favor... Eu... recompensarei o presente... Respeitando a luz... Amando-a...

Quando ela parar, continua a ouvir seus batimentos cardíacos, ossos e neurônios. Nada responde, nada se manifesta.

― Eu... estou morrendo... Por favor... Meu corpo... Está morrendo... Eu só... Preciso de um sinal. Uma... lembrança... Eu preciso lembrar porquê... eu me trouxera aqui... Por favor... Uma caridade... Um voto... Eu dedico a vocês... minha alma.

Os olhos abrem dolorosamente, secos. Ela não vê a nada no escuro que não a projeção agora visual de suas alucinações. Ama sabia que aquilo não era uma manifestação mágica. Quando Khlaos viesse busca-la, caso ela estivesse viva, estaria em um choque tão profundo que acabaria morta no processo de chegar ao arco triunfal final quando não sequelada em uma extensão incorrigível.

EsperanczAWhere stories live. Discover now