A carta

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Era tarde da noite e Hermione ainda chorava, com sua cabeça repousada no colo de Portia, que fazia carinho em seus cabelos.

Daphne retornara para o quarto com um chá. Ela colocou algumas gotinhas de poção do morto vivo, para que Hermione finalmente dormisse.

—Nenhum homem vale suas lágrimas, irmã. — disse Manon, pela centésima vez, ajoelhada ao lado da cama, olhando para Hermione.

—O que é que eu vou fazer agora? — ela perguntou entre os soluços, com a voz esganiçada.

—Esquecê-lo. — disse Daphne, entregando a ela a xícara de chá, quando ela se levantou.

—Passamos por tanta coisa juntos. Eu pensava em nós dois como duas pessoas que poderiam superar qualquer coisa. — disse ela. As lágrimas secas faziam Hermione sentir como se sua pele repuxasse levemente.

—E agora você pode viver outras aventuras. — disse Portia, colocando uma mecha do cabelo de Hermione para trás da orelha. —Você sempre terá a nós. Tudo o que tem que fazer é pressionar a varinha na sua estrela, e nós viremos o mais rápido possível.

—Ainda nem parece real. — ela fungou um pouco, e quando terminou o chá, caiu no sono.

—As próximas semanas não serão fáceis. — disse Manon, com uma careta.

—Aposto que logo depois do ano novo vai explodir nos jornais sobre a mudança de Hermione, e isso não vai ajudar em nada na sua separação com Draco. — Daphne fez a observação.

—E a vadia conseguiu o que queria. — disse Portia, com um pouco de raiva na voz.

—Deixem que lido com ela. Depois do ano novo. — Daphne parecia cansada. —Agora vamos para a cama.

Elas dormiram, e no outro dia, quando acordaram, Hermione estava com a aparência muito debilitada. Estava com os olhos inchados e vermelhos, e tinha olheiras muito profundas.

—Quer que eu traga algo para você comer? — perguntou Manon, vendo Hermione abriu os olhos e sentou-se na cama.

—Seria bom não ter que aparecer assim na frente de ninguém. — ela resmungou.

—Então está decidido. Nós iremos até o grande salão e buscaremos um lanche para você.

Hermione assentiu com a cabeça e elas saíram. Ela se levantou e foi até sua penteadeira. Não tinha vontade de se vestir ou fazer qualquer coisa. Ficou encarando seu rosto abatido no espelho.

Alguns minutos depois, enquanto ela ainda estava hipnotizada pelo seu próprio reflexo, a porta foi aberta com violência.

—Eu soube o que aconteceu, e eu sinto muito. — a voz de Emília se arrastou para dentro dos ouvidos de Hermione como se fosse um anzol que lhe rasgava a pele. Ela se levantou de onde estava e se forçou a encarar Emília.

—Vá embora. — disse ela, e sua voz saiu cortada. Emília parecia se deliciar com essa cena.

—Ou o que? Vai me bater de novo? — provocou.

—Eu não tenho nada a perder, não é? — Hermione sentiu um sorriso se formar no próprio rosto. Não era um sorriso de alegria, era muito mais sombrio. Era sedento pelo sangue de Emília.

—Tente. — Emília provocou novamente, com o sorriso bem menor, e os olhos faiscando de raiva.

Hermione bufou com um sorriso de canto e virou-se de costas para ela, indo até sua cama e sentando-se.

—Você não vale o esforço. Agora saia.

Emília bateu o pé no chão.

—Se acovardou? — perguntou, com a voz muito serena. Hermione levantou uma sobrancelha para ela.

—Eu sou a covarde aqui? Ou você? Que precisa agir pelas costas e manipular Draco para que a situação fique a seu favor? — disse ela, não se deixando ceder para as provocações de Emília. Bem pelo contrário, Hermione estava tranquila agora. Como ela mesmo havia dito, não tinha nada a perder. Então não tinha nada com o que se preocupar. Não ia se estressar a troco de nada.

—Eu não chamo isso de covardia, — disse Emília, com os braços cruzados, encarando com fúria o rosto desinteressado de Hermione. — prefiro chamar de estratégia.

—Isso por que você é covarde, e pessoas covardes são assim. — disse Hermione, se levantando. — São como ratos, se escondem pelos cantos, — disse e deu um passo em direção à Emília. — tentando não encarar sua própria imundice, — deu outro passo — tentando se esquecer que são odiados por todos. — deu outro passo. — Não, as pessoas não os odeiam, — completou sacudindo um pouco a cabeça, como se tivesse se confundido com algo. — por que para odiar seria preciso de importar. As pessoas só tem nojo, e desprezo. — e chegou a um palmo de distância do rosto de Emília. — Por ratos como você. — disse, ainda com o tom de voz calmo, como se tivesse falando sobre o clima, ou passando instruções para fazer uma poção.

Emília estava com o rosto horrorizado. Ela era bem uns dez centímetros mais alta do que Hermione, mas nesse momento, sentia como se ela estivesse olhando-a de cima.

—E eu quero que você saia do meu quarto agora. — disse Hermione depois de alguns segundos. 

Emília saiu como se tivesse sua alma desprendida do corpo, arrastando seus pés pelo chão liso e sem dizer uma palavra.

Hermione suspirou.

—Juro por Deus, se ela tivesse dito mais uma palavra eu ia arrebentara a cara dela. — disse para si mesma, com a mão na testa e os olhos fechados. Jogou-se na cama.

Algum tempo depois as irmãs chegaram, com um pedaço de bolo de laranja e suco de abóbora.

—Passamos por Emília. — disse Daphne, enquanto Hermione comia. —Achei que ela pareceria triunfante hoje, mas ela parecia atrasada.

Hermione escolheu não contar o que aconteceu, por que não sentia como se tivesse ganhado a discussão. Na verdade, não sentia como se tivesse ganhado coisa alguma. Só tinha uma incontável lista de derrotas.

—Irmãs, eu tenho que enviar uma carta. Volto logo. — disse ela, levantando-se e saindo do dormitório. As três não disseram nada, apenas observaram Hermione atravessar a porta e fechá-la atrás de si.

Ela desceu as escadas e viu Emília, sentada no chão perto da lareira. Ela estava de cabeça baixa, e Malfoy estava sentado em uma poltrona próxima.

Quando ele viu Hermione, levantou-se de onde estava, mas não saiu de onde estava.

—Hermione, posso falar com você? — perguntou.

—Não. — ela disse e empurrou a porta do salão comunal para sair de lá.

Enfiou as mãos nos bolsos e caminhou pelos corredores para fora das masmorras.

Depois de alguns minutos, subiu pelas escadas escorregadias do corujal e procurou por pena, tinta e pergaminho.

Escreveu uma carta extensa e sincera, falando sobre amor e sobre dor, e sobre saudade, e sobre arrependimento, e sobre amizade.

Ela não conseguiu conter algumas lágrimas que se forçaram a escapar. Se sentia como se tivesse libertando todos os fantasmas que estavam escondidos dentro dela.

Assim que a coruja cinza saiu batendo asas levando sua carta para longe, ela murmurou para si mesma, tentando secar as lágrimas que ainda escorriam.

—Você estava certo, Rony.

o Leão e a CobraOnde histórias criam vida. Descubra agora