#14

564 35 6
                                    

     Cheguei ao trabalho algumas horas mais cedo do que o habitual, consequentemente, tive que responder diversas perguntas, como “Oque aconteceu?”, “Esta tudo bem na escola?”. Fugi da maioria das perguntas e comecei a recolher os pratos das mesas até escutar Mary me chamar ( Mary, é uma das garçonetes mais velhas daqui, tendo por volta de uns 50 anos, mas com carinha de 35. Por isso, ela era tipo uma mãe para todos que trabalhavam ali).

      — Me chamou? – Me aproximo me apoiando sobre o balcão.

      — Sim, Beatriz. Oque exatamente, significa isso? – Tirou um papel familiar de seu avental. Para ser mais exata, era a declaração de minha suspensão.

    — Uma suspensão, nada de mais.

    — Nada de mais? Beatriz, oque você fez para levar uma suspensão se 3 dias?

   —  Eu apenas briguei com um garoto. Não se preocupe.

   — Você brigou com um garoto??

    — Ae, Bea, como bateu? Com um Mata-leão ou um golpe mortal? – Sorria, até Mary o lançar um olhar catastrófico. Esse era Carlos, o cozinheiro. Admito, sua comida era exageradamente boa.

    — Já chega, Carlos. Oque a Beatriz fez, não é algo legal! Ela machucou alguém. – Levantei uma sobrancelha e revirei os olhos.

    — Sim, mas, caso ele tenha provocado, ela agiu certo. – Mary colocou o dedo do meio sobre a armação do óculos e Suspirou. Os dois começaram uma discussão para uma conclusão se eu estava errada, ou se eu estava certa. Aproveitei a oportunidade, e sai de fininho indo para minha casa. Comecei a subir as escadas até escutar minha mãe.

    — Beatriz Ravens! Que história é essa de você brigar na escola e levar uma suspensão?

    — An? – Sabia exatamente do que ela estava falando, e já sabia que ia levar sermão.

    — O diretor da sua escola me ligou há alguns minutos atrás, me dizendo que você agrediu um garoto da sua sala, Beatriz, que história é essa? Não te ensinei a bater nas pessoas. – Esse diretor é fofoqueiro.

    — A, esse garoto. Bom, ele me insultou e apanhou.

   — Como é ? Devido a um insultou, você o agrediu ? O certo seria você ter falado comigo ou com o seu pai sobre isso, nós iríamos tomar uma providência, e não bater nele por você mesmo.

    — Você está brincando, mãe? Por que iria falar isso para vocês?

   — Por que somos seus pais, e queremos seu bem.

   — Tá bem, eu sei. Mas oque aconteceu, foi algo banal. Posso me cuidar sozinha.

   — Ah, oque ? Vai bater nas pessoas quando elas te insultarem ? Isso é o seu “cuidar sozinha”.

   — Você me entendeu, dona Alice.

   — Beatriz, não me enfrente. Você sabe que eu tenho razão. – Suspirei irritada, ela sempre queria ter razão. Apenas dei as costas para a mesma e subi para meu quarto. A escutei gritar, mas sinceramente nem liguei. Bati a porta a trancando

     Já fazia algumas horas que estava dentro daquele quarto com o buli, minha barriga roncava de fome, afinal comi apenas um salgado antes de vir embora. E não queria ir para a cozinha, ainda estava irritada. Do nada, meu computador que estava ligado, começou a fazer um barulho estranho, coloquei o mesmo sobre a cama e atendi a ligação de vídeo.

   Chamada de vídeo, ativada:

  — Hey Biazinha, como você está? — Alexandre sorriu. Não sei se comentei com vocês, mas Alexandre era o único amigo que eu tinha, até pouco tempo. Mas, ele acabou ficando em Curitiba devido ao trabalho, e eu tive que vir para essa cidade.
  — Olá, Alexandre.

   — Oque foi? Está com uma carinha meio deprê. – Suspirei.

    — É... Muitas coisas. Uma delas é que, agredi aquele garoto que não parava de me encher a paciência.

    — Você oque? Sério? – Começou a rir diante da tela.

   — Isso é não algo para rir, Xande.

   — Desculpa, Desculpa, é que finalmente, ele aprendeu a não mexer com você. – Colocou a mão sobre a boca para parar de rir.

    — Eu também achei isso, mas as pessoas ao meu redor acham que estou errada. Poxa, será que ninguém viu aquele garoto me agredir primeiro? Todos estão apontando o dedo para mim, como seu eu tivesse começado tudo. Além disso, já vem de dias que ele me enche a paciência. Estava na cara que uma hora eu ia surtar. – Alexandre sorriu fraco diante da tela

    — Eu te entendo, e acredito em você. Só, por favor. Não se torne aquela pessoa do passado, por favor..- Apenas Assenti.

   — Não irei. – Sorri. — Mas, por que ligou cedo hoje?

   — Bom, recebi uma notícia que você não estava bem, e resolvi ligar.

   — Foi minha mãe, não foi ? – Assentiu sorrindo. — Imaginei.

    — Sabe, Bea, ela está preocupada com você, ela me disse isso, só não consegue acreditar que você agrediu alguém.

    — É... Mal sabe ela, oque eu já fiz. – Suspirei.

   — Bom, mas aquele tempo foi diferente, e outra é passado, e você se arrependeu, não é?

    — Sim. – Buli apareceu a tela e Alexandre começou a me encher de perguntas sobre ele. “qual era o nome?” “buli? Mas é um nome básico para um cachorrinho tão fofo.”, “quanto tempo ele tinha..”

     — Bom, eu vou indo. Tenho umas coisas para fazer, tchauzinho. E não se preocupe, eu sei que você fez oque achou certo. Bye. – sorriu.

    — Obrigada. Tchauzinho.

Chamada de vídeo Desativada.

      Aquela conversa até que me ajudou, um pouco, pelo menos. Desci as escadas e fui comer algo, subi para tomar banho e logo, acabei dormindo. Acordei com algo molhado entrando em contato com meu rosto, abri um olho e vi buli a minha frente lambendo meu nariz. Dei um grito baixo me levantando bruscamente.

     — Buli! Não pode! – O mesmo me deu como resposta um latido. – Mas, que horas são agora? Observei meu celular que já marcava cerca de 9h da manhã.- Nossa, já fazia tempo que não dormia até esse horário. Aproveitei que não tinha aula, e fui fazer algumas coisas que só conseguia fazer nos finais de semana, coisas como passear com meu cachorro, fazer um bolo e limpar meu quarto. E os meus dois dias se suspensão foram assim, fazia algo para adiantar meu final de semana, ia para o trabalho e chegava cerca de 19h da noite.

      No último dia de suspensão, recebi uma mensagem da Roberta dizendo para mim ir buscar as lições e trabalhos de escola. Primeiro que eu nem sei onde ela mora. Na verdade, sei sim. Terminei de ler a mensagem, e percebi que ela não estaria em casa. Sai do trabalho, e fui direto para sua casa, na realidade, tive que pegar três ônibus para chegar na porta do bairro. Mas, sua casa era praticamente no final do bairro, Comecei a andar em direção a casa até ver a silhueta de uma pessoa encostada sobre uma lata de lixo. Me aproximei um pouco, eu sei, eu sei, nessas horas devemos correr, mas era uma mania. Observei um pouco mais a pessoa, e me agachei a sua frente e quando ele finalmente levantou seu rosto tomei um surto.

     — Grenw? Oque houve com você?

    — Esquisita? Oque faz aqui? – Sua voz estava fraca, provavelmente por causa dos machucados.

     — Sua irmã, ela me pediu para vir pegar alguns trabalhos que os professores passaram, mas, e você?  - Segurei seu braço rodeando no meu pescoço.

     — Não. Não precisa, me deixa aqui.

    — Não, não vou, e por que? Não sei, mas não vou. Agora colabora.- O levantei e fomos para a sua casa. Forcei um pouco a porta a abrindo e entrei com o mesmo, indo em direção a sala, e procurando um mordomo ou servente, ou alguém para me ajudar.

    — Garoto, cadê as pessoas dessa casa?

   — Meus “pais” saíram, a Roberta não sei onde foi, e os mordomos, já terminaram seu expediente. – Se sentou ao sofá.

   — Ok. E cadê o kit médico?

  — Estão naquele armário. – Apontou para um pequeno armário cinza que fica ao canto da parede. — Na terceira porta a esquerda tem um kit.- Peguei a pequena maleta me sentando ao lado do garoto. Peguei um algodão com um pouco de álcool e comecei a passar levemente pelos machucados.

   — Você pelo menos, sabe oque está fazendo? – O encarei brevemente e apenas assenti. — Eu tenho minhas dúvidas, você não parece ser uma pessoa que sabe fazer um curativo. – Apertei um pouco o algodão contra sua pele o que o fez soltar um grunido de dor.

     — As aparências enganam.

    — Por que diz isso?

    — Por que, mesmo que não pareça, houve uma época da minha vida que já fui igual a você.

    — Há, em relação ao oque?

    — A praticamente tudo. Uns 4 anos atrás, eu era uma pessoa “Rebelde”. – O mesmo forçou uma tosse de leve. — Eu sei, provavelmente é difícil acreditar, ou não, mas eu fazia coisas nas quais, não me orgulho nem um pouco. Era uma das mais populares entre algumas pessoas, bebia, literalmente, fumava, me metia em brigas por causa dessas duas coisas, e espero que não pense que eram essas brigas de mulher. Na realidade, eu me metia em briga com caras do triplo do meu tamanho, mas, sempre ganhava. Outras vezes, participava de roupa, rachas e outras coisas.

     — Nossa, e striptease? – Revirei os olhos e não respondi. — Entendo, você realmente não tem cara.

     — Pois é, terminei aqui. – Digo me levantando.

    — Você realmente sabe fazer um curativo.

    — Sim, praticamente todos os dias eu possuía hematomas roxos pelo corpo, e como meus pais não sabiam sobre essas coisas, acabava por eu mesmo fazer esses curativos, isso é, quando eram pelo corpo e conseguia esconder. Mas, quando era no rosto e percebia que era impossível eu esconder, eu posava na casa de um amigo.

     — Caraca. E oque ele dizia?

     — Bom, na primeira vez que ele me viu com o rosto machucado, ele me deu um sermão e me aconselhou a não repetir. Mas, eu era adolescente, e assim como a maioria, achava que só queria me prender, então fui lá, e fiz novamente, novamente e novamente, até que chegou um ponto que ele meio que desistiu, e começou a me ajudar. Não nas lutas, ou algo assim, mas nas partes de curativos e hematomas. Sempre me dava diversos conselhos para parar com isso, como “Olha oque você está fazendo com sua vida.” Mas, eu nunca dava ouvidos, para mim, aquilo era divertido. Até eu ver, que tudo aquilo era só o começo. Um dia, eu estava fumando e me divertindo com alguns colegas, e chegou uma gangue rival, e nos atacaram rapidamente, não conseguimos defender ou algo assim. Então, apanhamos, muito.

     — Você era uma drogada? - o encarei meio irritada e o mesmo ficou quieto.

    — Teve uma hora, que estava ao chão, tinha apanhado muito. E cada vez minha visão ia ficando turva, foi nesse momento que comecei a refletir, oque eu estava fazendo com a minha vida? Percebi que não era aquilo que queria, e tudo isso, foi por causa de um garoto aleatório. Depois, quando acordei, eu estava na casa do Alexandre, foi aí, que pedi ajuda para ele, eu precisava sair daquela vida, mas não sabia como. Foi aí, que ele me ajudou, me ajudou a mudar de aparência, para que eu ficasse diferente, mudar meu jeito de pensar, entre outras coisas. Lembro, que houve um dia que eu fui convidada a participar de outro evento da minha antiga gangue, sabe, lutar, depois encher a cara e fumar, mas eu recusei, e por isso, comecei a mudar mais ainda.

   — Mas, por que tudo isso começou? Tipo, por que você entrou nessa vida? – Suspirei e encarei o garoto a minha frente.

    — Coração Partido. Um garoto idiota, espalhou diversas coisas negativas sobre mim. Eu me declarei, e daí, minha vida foi de cabeça para baixo. Ele espalhou um monte de coisa, quase todas inventadas. E entrei nisso para me vingar, mas depois desencanei e comecei a fazer por diversão. Então, por favor, essa vida não leva a lugar nenhum, mude, ainda dá tempo. – o mesmo me encarou.

   — Vou tentar.

    —  Sabe, mesmo que seu pai seja do jeito que ele é, ele te ama, tenho certeza disso. E ele não quer seu mal, mesmo desmontrando isso.

    — Estava pensando nisso. – Suspirou. – Obrigado, de verdade.

   — Só espero que você não se torne um Loan dois, caso aconteça , eu vou socar a sua cara. – O mesmo começou a rir.

   — Não se preocupe, não irei. – Dei um leve sorriso.

   — Vou indo. – Me despedi e fui embora, por favor, não me julguem, nem eu sei oque acabou de acontecer.

Diferente do meu Passado? ( A Rockeira e o Playboy).Onde histórias criam vida. Descubra agora