|01| Saia da fila do Inferno

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Tudo era preto ao meu redor, e mais parecia que estava em uma grande caverna, ou no fundo de um vulcão ativo. Tochas grandes seguravam labaredas vermelhas de fogo quente. Fora isso, não havia mais nada, apenas quatro longas linhas de filas, onde mais e mais pessoas caiam e se posicionavam para segui-las.

Quando mais a fila andava, maior ela parecia ficar. E o número de pessoas que caíram após eu era incontável. A dúvida e a profunda confusão em seus rostos era evidente — por mais que alguns parecessem duvidosos no começo, depois de perceber onde realmente estavam, apenas cruzavam os braços e começavam a assoviar. Estavam esperando a vez.

— Eu sabia — disse o homem logo atrás de mim. Havia uma faca cravada em seu olho esquerdo, mas o sangue já havia secado. — Cara, que má sorte.

— Eu sei — disse outro, na fila ao lado. Era careca e tinha tatuagens por todo o corpo, mas o que mais chamava atenção era a bala em sua testa. — O que você fez para vir parar aqui?

— Matei meu irmão — o da faca respondeu, dando de ombros. — E você?

O outro também deu de ombros, como se não fosse nada. — Matei minha família inteira.

Conforme iam falando, sentia meu corpo encolhendo cada vez mais em puro pavor. Não eram apenas eles que falavam das atrocidades que haviam cometido em vida, mas sim todo mundo.

— Vendi minha irmã por drogas — comentou o cara na minha frente. Tinha cabelos longos e vestia um terno manchado de sangue. — Mas aí ela apareceu ontem em casa e me ofereceu um brinde de reencontro. Aí vocês já sabem, né? Me envenenou e depois cortou minhas orelhas, aquela vaca.

— Porra, que vaca mesmo — o homem ao seu lado comentou. Suas duas mãos haviam sido decepadas e metade de seu rosto branco estava sem pele. — Entrei em uma briga de facções.

— Tu é vacilão mesmo, hein? — o de terno riu, enxugando uma lágrima sangrenta do canto dos olhos.

Não queria chamar atenção, mas meu pavor foi tão grande, que acabei soltando um gritinho assustado quando senti uma mão em meu cotovelo.

— E você, o que fez? — perguntou, mas tudo o que em que eu conseguia me concentrar era em meu medo... E na faca cravada em seu olho.

— Eu... Er... — gaguejei, esfregando meus braços.

Haviam quatro caras olhando atentamente para mim; todos já haviam matado, sequestrado, estuprado, e cometido trocentos crimes dos mais perversos do mundo. Eu não estava nervoso somente por isso... eles haviam cometido crimes, mas eu não.

— Você tem cara de quem rouba a carteira das velhinhas — o cara da faca falou, fazendo os outros rirem.

Acabei rindo também, apenas para não mostrar que estava tremendo dos pés à cabeça. — Não. Não — comentei, quase engasgando com minha risada forçada. — Na verdade, não sei por que estou aqui.

— Como assim? — o de terno perguntou, me virando pelo ombro para encarar seu olhar desconfiado. — Você só pode estar mentindo!

— É, ele está mentindo mesmo! — concordou o cara que não tinha mais mãos. — Ele tem cara de político mentiroso!

— Concordo — os outros dois balançaram a cabeça em afirmação.

— Estou falando sério! — me defendi, passando a mão pelos cabelos. — Estou tão confuso, quanto vocês. Passei minha vida na igreja, dei minha vida para Ele.

— Mas você nunca, sei lá, roubou o dízimo? — o cara da faca perguntou. — Não sei, não. Isso 'tá bem estranho...

— Esse papo já 'tá me dando até dor de cabeça — reclamou o da bala.

Nas Mãos do Diabo [1] O MaestroOnde as histórias ganham vida. Descobre agora