|16| O Apocalipse: O Espelho

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Tropecei sobre a moldura do espelho quando estava atravessando-o e caí com tudo no outro lado, batendo o queixo no chão violentamente. Meu sobretudo rasgou e as coisas que estavam guardadas nos bolsos foram jogadas para longe. Observei minha peça de xadrez deslizar para perto do tapete, um pedaço de tecido do terceiro quadro de Khaos que eu havia roubado cair próximo ao pé do sofá e o olho de Yoongi, o que Lilith havia-me pedido para guardá-lo com a morte, parando próximo à mesinha de centro. Olhei ao redor, estava na sala de minha antiga casa no Mundo Mortal, mas ela estava diferente.

As paredes estavam descascando, assim como no Castelo. Estava de noite, mas a luz lunar era mínima, tanto que um ínfimo feixe iluminava escassamente o ressinto. Os móveis estavam velhos e remendados, não novos e polidos como minha mãe costumava deixá-los todas as sextas-feiras, além de que os quadros, todos eles, guardavam imagens de demônios. Antes, fotos de meus pais adornavam a sala, mas agora demônios asquerosos pintavam as molduras.

Estremeci, pois aquele era o verdadeiro cenário de minha casa, da realidade em que Jungkook havia me posto.

Levantei-me rapidamente, gemendo com a dor da pancada reverberando em minhas costelas. Senti uma dor no peito e abri os primeiros botões de minha blusa, notando um pequeno corte no lado esquerdo, sobre meu coração. Com certeza devido a queda desengonçada que eu havia sofrido. Limpei o sangue que escorria com o polegar e procurei buscar minhas coisas no chão. Juntei a peça e o pedaço da pintura de Khaos e guardei-os no bolso de minha calça, então ajoelhei-me para pegar o olho de Yoongi, mas recuei assim que ele zuniu e brilhou de súbito. A esclera sumiu por completo, a pupila que se estreitou até ficar no formato de uma lente de contato, então começou a ficar vermelha como sangue. Em sua superfície, a palavra use-me surgiu como poeira.

Catei-a do chão com cuidado, percebi que ela era vermelha, porém transparente como vidro. Através dela, a sala inteira tornou-se preta e, no chão, marcas de pegadas fizeram-se visíveis. Afastei a lente no mesmo segundo, assustado, então voltei a posicioná-la na frente de meu olho direito. As pegadas marcavam os degraus da escada e levavam para o andar superior, revelando um caminho que, à olho nu, era impossível de se ver.

O olho revelava a localização dos adornos.

Coloquei a lente de uma vez por todas sobre meu olho direito e pisquei várias vezes para tentar me acostumar com o desconforto. Encarei-me no espelho da sala e suspirei ao ver meu reflexo pintado de preto e branco, assim como toda a sala, e somente o olho vermelho possuindo cor e brilho. Em meio àquilo tudo, era como um pequeno ponto de luz em meio à escuridão.

Comecei a subir a escada hesitantemente, seguindo o caminho de pegadas pelo corredor. No corredor, marcas de garras também surgiram junto do cheiro de algo podre. Algo morto. O quadro em que, uma vez, guardava a imagem de minha mãe e meu pai abraçados, agora revelava a imagem de Ruda e Rubel com sorrisos macabros olhando diretamente para mim. A porta do quarto deles estava aberta, mas não havia ninguém ali. A do meu estava fechada e a luz estava ligada. Era possível enxergar sombras de movendo pela fresta, apesar de estar vendo tudo como se estivesse em um filme antigo dos anos 20.

Hesitantemente, girei a maçaneta e observei o interior de meu quarto revelando-se. Nele estava minha mãe comigo, bebê, em seus braços.

O dia em que arranquei uma mexa de seu cabelo?

— Quem é o menininho da mamãe? — Perguntou ela com uma voz estranha e fina.

Seu corpo era de uma mortal, mas sua sombra revelava sua silhueta de demônio.

— Você é a coisa mais incrível que já aconteceu em minha vida, Jimin — prosseguiu. — Você será tão feliz...

Encarei ao redor, seguindo o rastro de pegadas. Ele acabava bem abaixo dos pés de minha pseudomãe, que estava sentada sobre uma cadeira ao lado da janela mais alta da casa comigo em seus braços. Analisei-a, desde suas roupas amarrotadas até seu cabelo desgrenhado. Cerrei os olhos quando escutei seu grito de "pavor" ao ser atacada pelo bebê e meus olhos se expandiram quando notei algo brilhando em seu pescoço. A coisa tinha um formato de bola de espinhos.

Nas Mãos do Diabo [1] O MaestroOnde as histórias ganham vida. Descobre agora