Epílogo - Nem tudo foi o que pareceu ser

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Gelado, eu o sinto até o pescoço. É algo que me cobre, reveste e prende. Uma teia de aranha? Não, seria quente e viscosa contra minha pele. Um cobertor? Não, seria macio e suave contra minha pele. Tento me mover, mas a coisa respinga em meu rosto e eu afundo ainda mais, dessa vez por inteiro. O choque me desperta, empertiga, e me faz convulsionar. A coisa está invadindo meu corpo por minhas narinas, meus ouvidos, e a pressão me leva para o fundo. Sinto que vou morrer, e deveria estar apavorado, mas a sensação me faz rir. Morrerei afogado, miserável, mas rindo. O riso explode de minha boca e mais água invade minha garganta, mas o riso continua a soar. Ele soa e ressoa e reverbera em espirais ao meu redor. Então a água está desaparecendo. Evaporando? Não, sei, mas estou recobrando meus sentidos pouco a pouco, e quando percebo que estou acordado, finalmente...

...abri os olhos.

Estava engasgando, com o peito em chamas e os olhos queimando. Cuspi muita água para fora de meu corpo, meu sistema, e me senti um pouco melhor. Minha visão estava embaçada, mas consegui ver paredes vermelhas e quadros estranhos e tochas acesas. O chão era áspero e cortou meus antebraços quando me arrastei para longe do que parecia ser uma grande banheira, agora rachada. Estava sem ar, completamente molhado e desnorteado, mas os quadros com cruzes invertidas me lembraram exatamente onde estava: no Inferno.

Pisquei com força, para clarear a visão, e foquei em meus braços, esperando vê-los translúcidos, repletos de veias, maiores, mas estavam normais. Brancos, finos e normais. Toquei em meu cabelo, sentindo-o maior, um pouco além das orelhas, e um fio loiro enganchou em meu dedo. Loiro, não vermelho. Encarei minhas roupas, percebendo que estava usando as mesmas do dia em que caí na segunda Fila Infernal, no Inferno.

Assustado, tive dificuldades para levantar, mas quando o fiz, fui rapidamente até o espelho ao lado da banheira, apenas para confirmar o que tanto suspeitava: sou o garoto que caiu no Inferno, com cabelos loiros (não vermelhos), longos (não curtos), pele branca (não translúcida) e olhos castanhos (não cinzentos ou vermelhos). Sou...

— Park Jimin! — Gritou alguém, alegre, no canto da porta. Estava tão concentrado em minha confusão, que não havia percebido a gárgula-gerente das Filas Infernais entrar. Rubel era seu nome? — O humano! — Prosseguiu, anotando algo em sua prancheta. — Finalmente acordou.

— O... — Gaguejei, chiando com a dor em minha garganta. Fazia bastante tempo que não falava. — O que está acontecendo?

— Meus desparabéns! Você completou o Teste Infernal Final para conseguir sua Redenção!

Recuei dois passos, cético com seu sorriso afiado em minha direção.

— Há quanto tempo estou aqui, nessa sala?

Rubel analisou sua prancheta, murmurando uma música animada, depois disse:

— Há vinte e nove dias, humano. E você concluiu seu teste bem a tempo, no prazo de Ruda.

— Eu... — olhei ao redor, prolongando-me um pouco mais na banheira inundada, depois nos quadros, depois no espelho, depois em Rubel. Minha mente estava dando voltas e voltas e parecia não chegar em conclusão alguma. — Não estou compreendendo. O que aconteceu comigo?

— Não lembra do que conversamos assim que o tirei da Fila Infernal? — Indagou.

Balancei a cabeça negativamente.

— Havíamos acabado de falar com Ruda, você já havia sido avisado sobre o problema de sua Redenção, o que não sabia era que...

... — Humanos com problemas com a redenção são bem raros de aparecer por aqui. Geralmente, quem é de cima vai para cima e quem é de baixo vem para cá — disse Rubel, a pequena gárgula-gerente das Filas Infernais.

Nas Mãos do Diabo [1] O MaestroOnde as histórias ganham vida. Descobre agora