|02| Saiba Como Morreu

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Quando entrei em meu quarto, havia uma pequena cama de madeira, torta, ao lado de um minúsculo guarda-roupas. Uma de suas portas já não estava mais lá, então tive o vislumbre de algumas peças de roupas. Elas estavam em péssimo estado; algumas até com teias de aranha. No final, me perguntei se a última vez que alguém havia pisado ali teria sido, de fato, há um mês atrás.

Ainda estava sentindo a bile tentando atravessar minha garganta, junto ao ardor em meus olhos, e aquela não era a melhor sensação do mundo. A sensação de estar vazio, sem esperanças e depressivo havia me atacado como dez socos no estômago, e isso, somado ao tangente pavor crescente e gritante em minhas veias, causava um doloroso aperto em meu coração.

Quando percebi, já estava chorando novamente.

"Caso queira saber, você realmente morreu de fome", haviam sido as últimas palavras de Rubel, antes de se virar e desaparecer por entre os corredores. 

— Como... Como isso pode ter acontecido? —  me perguntei.

Me arrastei e sentei à cama, tremendo ao ouvir seu ranger fantasmagórico. Então, pensei: durante toda minha vida, pelo que consigo lembrar por entre todo o nevoeiro que enevoa minha mente, tive uma família boa e nunca passei por necessidade alguma. Mas... assim que a imagem do cinturão de meu pai ricochete ou em minhas memórias, percebi que passei sim por momentos difíceis.

E o canivete de minha mãe foi a segunda coisa que surgiu em minha mente. O canivete que usava para cortar a pele de meus braços quando chegava cedo da igreja, ou quando eu ousava chorar, após ser espancado por meu pai. — Se humilhe para Ele! — ela gritava, e eu gritava toda a minha dor para fora, chorando por todo o meu corpo.

Ela me culpava por ter nascido; por ter destruído seu corpo jovem e esbelto... Por ter sugado sua juventude. Me cortava todas as tardes, quando meu pai estava trabalhando e estávamos só nós dois. Ela me chamava mansamente, pedia meus pulsos e perguntava "sabe o motivo disso?", antes de traçar a primeira linha de sangue.

"Sei", eu respondia, "eu a matei por dentro".

E então ela me cortava, me batia e me dava um remédio que me deixava desacordado por horas. Acordava apenas com os gritos de meu pai; como minha mãe havia me proibido de contá-lo sobre os cortes, ele acabava achando que eu me auto-multilava. Então, me espancava e depois chorava ao sofá, perguntando à Deus o porquê de ter recebido um filho doente da cabeça.

Minha vida era isso, e eu conseguia conviver. Eu tinha que conviver. Era o que Ele desejava.

Mas então o ritual chegou; e não, eu não o aguentei.

30 DE OUTUBRO DE 2018, Terça-Feira

A igreja estava entrando em um intenso estado de euforia. Ornamentações se estendiam por todos os lados; laços e fitilhos brilhavam pelo teto, pelas paredes, pelas colunas, e pelo altar. Esse, estava decorado apenas com as mais finas peças de decoração que a igreja possuía, o que variava entre pratarias de ouro, quadros, até um grande pódio.

O que mais diferenciava-o de todas as coisas brancas e brilhantes nas paredes, eram os gravetos secos formando uma espécie de ninho ao seu redor, com uma grande linha de sal formando um círculo em sua volta.

— O que é isso? — perguntei.

Fazia um bom tempo que eu o olhava e ainda não havia entendido qual seu sentido.

— O pastor não quis dizer, disse ser uma surpresa para nós — falou Hoseok, colocando uma grande caixa com bolas de plástico douradas no chão. — Que seja à vontade d'Ele.

Nas Mãos do Diabo [1] O MaestroOnde as histórias ganham vida. Descobre agora