|08| Dance com ele

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Chegar em meu quarto nunca foi uma tarefa tão difícil.

Uma vez, quando tropecei no topo da escada de casa e tive a infelicidade de rolar ela abaixo, quebrei minha perna e fiquei com gesso por um tempão. Minha mãe me julgava de todas as formas possíveis, e até me batia com mais força só por ter que olhar para minha perna. Ela odiava. Odiou ter de ir ao hospital. Odiou ter que fingir se importar comigo — quando na verdade, só queria voltar para casa, para assistir televisão, ou orar.

Ela odiou tudo, e me odiou ainda mais.

Quando meu pai saia para trabalhar todas as manhãs, mamãe entrava em meu quarto e me empurrava para fora da cama. Não se importava se eu ainda dormia, ou não. Eu sempre acordava assustado, nunca preparado o suficiente para escutar sua violência verbal — quando me chamava de inútil, ou imbecil e infeliz, não segurava a língua, muito menos a mão.

Tinha a incrível habilidade de me cortar e me bater ao mesmo tempo. Era uma mulher habilidosa no que fazia.

Como quando ela usava as mãos para me prender com cordas em uma cadeira, ou no porão de casa, e me deixava trancado por horas, às vezes, dias. Era um alívio quando ela lembrava de jogar uma garrafa de água, ou alguma comida.

"É para o seu bem! " Ela dizia, e depois sumia.

"É para o meu bem..." Eu repetia, várias e várias vezes, até ouvir o barulho das portas se abrindo, ou os nós da corda sendo desatados.

Ela adorou ver eu me arrastando pela casa, carregando minha perna quebrada, e meu gesso, para todo o canto que eu ia. Adorou ver minha expressão de agonia, ou minhas lágrimas de puro sofrimento. Isso... isso, ela adorou.

Não me importei em dar a ela um pouco de felicidade.

Afinal, eu a destruí.

No entanto, enquanto me arrastava pelos corredores do inferno — ainda sentindo meu corpo despedaçado e cansado — não me contive em pensar nela, em imaginá-la se escorando na parede, com um palito entre os dentes e um sorriso nos lábios. Não me importei em perceber o quanto aquela imagem havia deixado minhas pernas bambas, ou meu coração palpitando.

Por que, pela primeira vez, eu havia feito algo errado e ela não estava ali para me julgar, nem para me bater ou amordaçar.

Ela não estava ali.

E me odiei por estar aliviado com aquela constatação.

Quando cheguei em meu quarto, com a ajuda de uma criancinha-monstro que alegava ter trezentos anos de idade, fechei a porta atrás de mim e me permiti respirar com força. A dor ainda estava ali, mas podia-se dizer que somada à um toque de felicidade.

Felicidade por estar morto?

... Sim.

Ainda haviam muitas coisas para pensar, mas minha mãe não era mais uma delas. Nunca mais! Ainda bem que já estou morto, pois não iria para o céu por estar pensando nisso... ainda bem! Além de minha mãe, haviam mais duas coisas perambulando pela névoa em minha mente.

Morfus e... Meu Deus, Morfus e Jungkook!

O que o diabo fazia em minha mente?

Sentei em minha cama e escondi meu rosto com as mãos. Eu havia dormido em seu quarto! Havia tido um sonho muito estranho, induzido por um de seus monstros, e ele estava lá. Era um dos personagens macabros de meu pesadelo. O principal. O monstro que me atacava.

Ainda me perguntava como pude sonhar algo tão vívido, e como aquele íncubo rebelde havia penetrado em minha mente para descobrir minha inquietação por não saber como Morfus estava, e minha frustração por só conseguir pensar em um diabo de olhos vermelhos e a maldita de uma bengala!

Nas Mãos do Diabo [1] O MaestroOnde as histórias ganham vida. Descobre agora