|03| Conheça o Diabo

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Não consegui dormir. Minha cabeça estava cheia de ideias e pensamentos perturbados, tão perturbados, que tudo o que consegui pensar foi em como o teto do quarto parecia querer desabar a qualquer instante. Possuía fendas e rachaduras gigantes, e parecia que não possuíam fundo algum. Pareciam infinitas.

Como minha morte.

Eram cinco e vinte da manhã, quando um morcego bateu à porta de meu quarto e pediu licença ao entrar.

Um morcego.

Parece que ainda não está pronto para o café — observou.

Batia suas asas lentamente, observando-me dos pés à cabeça.

— É... — concordei. — Parece que não.

Ele pousou em minha cama e, para meu espanto, se transformou em um humano. Em carne e osso.

— O quê? — meus olhos estavam arregalados em surpresa e pavor. — Como é possível? — perguntei.

Seus cabelos eram vermelhos como fogo, o que contrastava com sua pele branca como leite. Vestia um terno listrado — com uma gravata borboleta, verde — e sapatos sociais brilhantes. Quando levantou e deu um passo para frente, pude ver que seus olhos eram tão vermelhos quanto seus cabelos.

— Me chamo Morfus. É um prazer conhecê-lo — cumprimentou. — Se não me engano, seu nome é Jimin, não?

Gaguejei quando fui respondê-lo. — Sim, senhor — fiz uma referência.

Ele riu e negou rapidamente. — Não seja tão formal. Não sou ninguém importante.

— Ah — murmurei, concordando. — O que quer?

— Você precisa estar no salão de café-da-manhã até as seis e cinquenta — deu de ombros. — Estou aqui para guiá-lo até lá.

Concordei novamente.

— Que tal ir se arrumar, hm? — ofereceu.

Um pequeno sorriso estava estampado em seus lábios, e quando obedeci, apenas murmurou um pequeno "muito bem" e pediu que não demorasse.

[...]

Acabei vestindo um terno grande demais, roxo, e com listras pretas. Uma pequena gravata, da mesma cor e estampa, apertava meu pescoço e quase me fazia sufocar. Em meus pés, sapatos sociais pretos brilhavam, lustrosos. "Senhor Satanás não gosta quando os sapatos parecem maltrapilhos...", murmurou o homem morcego, quando os estava me entregando.

— Temos um rígido código de conduta por aqui — Morfus revelou.

Estávamos descendo uma extensa escada, que parecia não ter fim algum. As paredes de tijolos pretos eram decoradas por quadros e mais quadros; alguns, com fotos de pessoas que nunca havia visto. Outras, com fotos de paisagens mortas, como árvores sendo consumidas por lava de vulcões, ou flores murchas de sangue.

— Rubel disse que não posso sair andando, sozinho, por aí.

Morfus riu baixinho e me olhou de soslaio. — Ele disse?

Concordei. — Sim.

— Aquela gárgula anã gosta de assustar os novatos.

— Se não se importa que eu diga, eu acho que esse lugar, por si só, já é bem assustador — tentei não gaguejar, ou tremer, enquanto falava, mas acabei falhando miseravelmente.

— Eu o acho reconfortante — deu de ombros.

Terminamos as escadas e viramos em mais um corredor. Esse era totalmente vermelho, sem quadros, nem fotos. Apenas vermelho. E, conforme mais descíamos, mais quente parecia ficar.

Nas Mãos do Diabo [1] O MaestroOnde as histórias ganham vida. Descobre agora