|07| Conte sua história: Horácio

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A Primeira Memória: 

Horácio

O Círculo estava em época de júbilo e animação, sentimento esse que não era visto há bastante tempo. O dia treze estava próximo e era uma data especial para nós, pois significava que Lúcifer, o rei de todo o Inferno, desceria a colina de seu castelo, entraria no Trem Intrainfernal e passearia por todos os Sete Círculos Infernais, nos parabenizaria pelo péssimo trabalho e depois escolheria algum demônio felizardo para morar em seu castelo por seis décadas.

Cada um partiria de um Círculo diferente, essa era a regra, e deveria ser escolhido exclusivamente por meio de todos os seus feitos do ano. Era fazendo coisas honoráveis que tínhamos a chance de chamar a atenção do Senhor satanás... Que eles tinham a chance, para falar a verdade.

Eu não podia. Eu era ninguém. Não tinha nome, idade, cor nem expressão. Eu era um nada.

Tudo foi decidido quando surgi das cinzas de minha existência demoníaca. Eu sabia que minha pele era branca como papel, que meus dedos eram longos e finos e que em minha cabeça havia um pequeno par de chifres tortos e pequenos em meio a punhados de cabelo longo e branco. Eles me chamavam de Demônio Albino, mas era apenas isso. Nós, demônios, não nascemos, mas sim surgimos de chamas aleatórias pelos círculos. Somos como pragas por todos os lados, tóxicos e mortais. Esse é o nosso papel... Até que decidem o que iremos fazer para o resto de nossas mortes.

"Você será um demônio dos sonhos" um dos generais falou para Ezium, o demônio que havia surgido há pouco tempo no leste dos Portões Infernais. Assim que obteve seu título, recebeu um par de asas horripilantes, pontudas e mortíferas, junto de um cajado que o permitia viajar entre Os Planos do Existir, só assim poderia viajar entre o Inferno e a Terra sem ser invocado.

Era na sexta-feira o dia em que todos os sem-título seriam reunidos no centro do Círculo pelos Generais Infernais em quatro filas. Como não tínhamos nome, eles nos separavam por tamanho e exigiam que não déssemos um pio enquanto preparavam-se para a Escolha. Eles faziam isso todos os anos. Quem tinha o perfil, eles escolhiam; quem não tinha, eles descartavam.

Os descartados poderiam participar no ano seguinte, e no seguinte e no seguinte. Já era a minha vigésima tentativa, algo quase humilhante por não possuir um título com tanto tempo de existência.

Em minha primeira tentativa, fui descartado com pouca análise. O General – Shownu era seu nome – havia me olhado pelo canto dos olhos, feito uma careta e depois dito para seus guardas me retirarem dali com violência. Em minha primeira vez, fui despejado como um nada próximo à tenda em que morava com mais sete demônios. Eles também não possuíam títulos naquela época, mas, pouco a pouco, começaram a receber e tiveram que deixar nosso lar para exercerem suas tarefas demoníacas.

Quando percebi, já estava completamente sozinho.

— Quando serei chamado? — indagava-me todas as noites no alto de minha tenda solitária, olhando para a imensa vermelhidão do céu. — Quando possuirei algum título, Satanás? Quando até eu não tiver mais consciência de minha existência?

Eu não sabia o que me fazia derramar sangue pelos olhos, mas era algo forte e cortante; também não sabia o que me deixava inquieto, uma vez que demônios pouco se importam com títulos e afins. Para nós, demônios, ser malvado bastava, mas não para mim.

Eu queria mais! Queria um título, uma função e um propósito... Eu queria morar no Castelo de Lúcifer. Quando surgi, ainda não tinha noção de meus anseios e vontades, porém conforme minha existência se estendia, mas sabido eu me tornava do que eu queria: queria ser alguém.

Nas Mãos do Diabo [1] O MaestroOnde as histórias ganham vida. Descobre agora