|04| Corra

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Estávamos todos reunidos em volta da maior mesa da Feirinha. Do lugar que eu estava, podia ver Jennie e zen conversando alto sobre mortes e decapitações, Kai escrevendo seu próprio nome repetidas vezes em um pedacinho rasgado de papel e Wonho e Mino dividindo – com dificuldade – uma pequena fatia de torta azeda da barraquinha vermelha em formato de cogumelo de Otávio, o íncubo mais baixinho de todo o inferno. Ele era até menor que Mino.

Ao lado, um grupinho de gárgulas ensaiava a peça de teatro que Rubel havia avisado que seria apresentada no mais tardar. Estavam caracterizadas com roupas elegantes e vitorianas minúsculas em seus corpos. Uma vestia uma peruca de juiz branca e estava terminando de desenhar um sinal em sua bochecha esquerda, outra vestia um vestidinho estufado azul-marinho e tentava usar maçãs podres como seios improvisados. As outras periciam ser figurantes, pois trajavam as mesmas roupinhas: calça marrom, blusa branca de mangas compridas e um coletinho prateado.

— Olha, eu realmente detesto esse papel de Julieta! — a de vestido estufado comentou já aperreada com seus seios falsos.

— Tenta só ser o Romeu! — sua parceira resmungou com uma careta, tentando enfiar seu pé desproporcionalmente grande em um sapatinho marrom muito pequeno.

Mais adiante, os corveiros andavam segurando bandejas com aperitivos, servindo-os para quem demonstrasse interesse, grasnavam enfurecidos para quem recusasse e até bicavam. Tinham um ar fúnebre, andavam curvados e corcundas, de cabeça baixa e penas eriçadas. Não tinham asas, porém seus braços eram repletos de penas negras. Os que não serviam limitavam-se a ficar escorados nas barraquinhas conversando com os monstros com suas pás em mãos.

Minutos antes, um defunto de Dragão havia tentado sair de sua cova e todos eles avançaram sobre ele, grasnando e gritando violentamente até enterrá-lo na terra por completo mais uma vez.

— Vez ou outra, isso acontece... — Dong explicou, estava deitado de bruços em cima da mesa.

— Aquele não era o Bob? — Mino perguntou, sentado no ombro de Wonho.

— Nós comemos o Bob, seu idiota — Wonho deu um soco na mesa. — Ai! — e resmungou quando levou mais uma puxada de cabelos.

Não consegui falar nada, pois ainda estava assustado.

— Esse é o trabalho deles — Jungkook sussurrou contra meu ouvido, suspirando. — Graças a eles, nenhum condenado ainda foi capaz de deixar o cemitério.

Observei os corveiros com atenção, lembrando-me com desgosto que quase acabei sendo um condenado antes de fugir. Fiz uma careta ao imaginar-me sendo arrastado pela terra lamacenta do cemitério até minha cova, os corvos ao redor de meu eu gritante e desesperado, meu sangue sendo derramado pelo caminho, até ser enterrado vivo. De repente, sentia-me estranho e gelado, pois imaginar tudo aquilo havia causado calafrios em minha espinha.

Ainda bem que consegui fugir a tempo.

— Eles... — engoli em seco. — Eles me parecem amigáveis.

Ele riu e concordou, dando mais um gole em sua bebida.

— Se você não for um condenado...

— Eu não sou — respondi rapidamente, depois soltei um risinho nervoso.

Eu não sou.

Logo nos limites da cerca de ossos, havia uma pequena barraquinha que tinha a forma semelhante a um grande olho administrada por uma pequena gárgula-bilheteira que usava um par de óculos minúsculos, um macacão vermelho com listras azuis e um chapéu feito com a mesma estampa. Logo acima de sua barraquinha havia um letreiro feito com letras douradas formando "ingressos". Tinha quase certeza de que eram ingressos para a grande competição da Feirinha.

Nas Mãos do Diabo [1] O MaestroOnde as histórias ganham vida. Descobre agora