|08| Conheça o Diabo: Adiv

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A Segunda Memória:

Adiv

Fiquei preso e amordaçado por décadas antes de ter notícias de meu Julgamento Infernal. No mesmo dia, Morfus apareceu com algemas e avisou-me que eu iria ser levado para o grande Salão de Julgamentos de Monstros e Monstrinhos Quebradores de Leis Infernais, no sexto andar infernal do Castelo Infernal de Lúcifer. Era assim que o sistema funcionava: uma vez preso as masmorras, o tempo de espera era de milênios até o julgamento. No começo, não entendi o que ele dizia com um sorriso tão contido nos lábios, mas depois percebi o que estava acontecendo.

Eu iria ver meu rei pela primeira vez.

Naquele dia, eu não estava mais amordaçado. Era um alívio poder falar novamente.

— Parece bastante animado — Morfus comentou enquanto abria minha jaula nas masmorras subterrâneas do castelo.

— Eu pareço? — indaguei incapaz de conter um pequeno sorriso. — Ora, eu não devo! Quero parecer o mais miserável possível para meu Rei, afinal irei finalmente vê-lo. Quase não posso acreditar!

Ele riu, jogou o cadeado no chão e caminhou em minha direção com as algemas rodando ao redor de seu dedo, quebrou minhas correntes e agarrou meu corpo fraco demais para aguentar meu próprio peso antes que eu caísse com tudo no chão. Fechei os olhos por segundos, sentindo seu cheiro gostoso, aproveitando a sensação de ter alguém me tocando pela primeira vez – sem o objetivo de torturar-me – em anos.

— Opa! — ele exclamou, levantando-me sem esforços.

Morfus havia se tornado alguém bastante desespecial em minha vida ordinária. Depois das torturas, dos dentes e unhas arrancados, dos olhos furados, dos cabelos arrancados fio por fio e dos ossos quebrados, acabamos desenvolvendo algo muito estranho nos anos de extremo confinamento.

Eu acho que estava apaixonado por ele, o que era um sentimento bastante desagradável e idiota, mas sempre culminava em calor em meu peito todas as vezes em que o via se aproximando na escuridão, com facões, chicotes ou qualquer outro artifício delicioso de tortura que houvesse escolhido. Eu mal podia vê-lo e já começava a tremer de ansiedade e sofrer por antecipação.

Eu adorava a forma como, enquanto me torturava, desfazia o nó de sua gravata, despia-se de seu paletó e arregaçava as mangas de sua blusa social com uma calmaria impressionante, ainda mais quando escorava-se no canto de minha cela e fazia-o enquanto me encarava com o semblante mais sério possível.

"— Você pode tirar a blusa, caso sinta-se mais à vontade...

Lembro-me de tê-lo sussurrado tal coisa com um sorriso lascivo nos lábios anos atrás. Estávamos em mais uma seção intensa de torturas onde ele já havia quebrado e re-quebrado meus ossos um por um umas cem vezes, ele estava suado e ofegante com um bastão em mãos, mas tudo o que eu conseguia visualizar eram as gotículas de suor escorrendo por seu rosto e pescoço, até sumirem por trás do tecido branco de sua blusa social. Seus músculos pareciam até maiores.

— Onde estaria a tortura nisso? — indagou-me com os olhos brilhantes, largando o bastão de lado.

— Não vê minhas amarras? — ralhei forçando-as rapidamente. — A tortura está subentendida no fato de que não poderei tocá-lo, meu querido Morfus.

Ele sorriu, deslizando a ponta do polegar pelo lábio inferior com um sorriso ligeiro.

— Deseja tocar-me, Demônio Albino? — sua voz havia caído dois tons mais grossa, arrepiando meu corpo por inteiro.

Concordei infimamente, olhando-o por baixo de meus cílios.

— Então acho que o farei — deu de ombros, levando as mãos ágeis até o primeiro botão de sua camisa.

Nas Mãos do Diabo [1] O MaestroOnde as histórias ganham vida. Descobre agora