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- Agora sim, nossa mesa está completa! – Camilo ergue um cálice – Brindemos em honra à dama que veio se juntar a nós!

Todos os Auxiliadores, assim como o Sacerdote, repetem o gesto.

- Seja bem-vinda, Helena, e sinta-se em casa. Nós estamos aqui para servir e satisfazer todas as necessidades de nossa digníssima senhora e desejamos que...

- Senhora é a sua mãe.

Perplexos, os Auxiliadores se entreolham, os cálices paralisados em meia altura no ato do brinde, indecisos quanto ao que fazer.

- Desculpe?

- Senhora é a sua mãe. – Helena repete, fincando o garfo num pedaço de carne – Eu não tenho nem vinte e cinco ainda.

Apertando os lábios, Camilo pousa seu copo sobre a mesa. Os Auxiliadores o imitam, voltando a comer com a naturalidade que podem.

- A comida é boa. – ela continua a dizer entre garfadas – Melhor que a de casa. Vocês devem ter bons cozinheiros aqui, mas o pessoal da faxina pelo visto não é muito bom. Qual é a das paredes riscadas?

Ela lança a última pergunta para o Sacerdote. Pandora nada responde, encarando com imbecilidade as paredes sujas de tinta, com riscos e inscrições de ódio, pequenas lembranças da Rebelião.

- Nós ainda estamos reformando o Palácio. – Camilo mantém uma postura firme, puxando o colarinho da camisa com os dedos para respirar com mais leveza – Estava bem pior antes de o Sacerdote retornar, os Surdos vandalizaram quase tudo, e temos investido bastante tempo e recursos para restaurar os demais cômodos. Não se preocupe com as paredes, estamos trabalhando na reorganização. Tudo estará em perfeita ordem em breve, minha senhora. É uma promessa.

- Demora tanto assim para pintar uma parede? Eu faria em um dia.

Desistindo da polidez, Camilo atira um guardanapo sobre o chão, fingindo abaixar-se para pegar e aproveitando a oportunidade para sentar em sua cadeira e comer em silêncio.

- Senhora, - o Auxiliador da agricultura interrompe, sua voz baixa, buscando brechas no clima incômodo – o Palácio é mais do que um simples prédio, essas paredes nunca foram pintadas porque foram esculpidas pela própria Voz há muitos séculos. Pintá-las sem o devido cuidado seria uma grande afronta a...

- Então por que a Voz não limpou as paredes ela mesma? Pra quem esculpe pedra, tirar algumas manchas não seria tão trabalhoso.

O Auxiliador volta a pegar seus talheres, decidido a apagar de sua memória os últimos segundos de conversa.

Ela vira novamente na direção do Sacerdote, um bolo de verduras mal mastigadas aparecendo entre seus dentes:

- Você não fala nada não?

Pandora recua na cadeira, buscando ajuda no rosto de seu Auxiliador. Camilo leva o lenço à testa, removendo uma gota de suor e suspirando:

- Pelo visto teremos muito trabalho pela frente para civilizar duas criaturas selvagens...

- Boa sorte com isso. – Helena ri sonoramente, sua voz escandalosa preenchendo o salão silencioso.

Ela se levanta, jogando seu guardanapo sobre os restos de comida do prato, faz uma leve reverência e se retira sem dizer outra palavra.

Camilo apoia a testa sobre as mãos em concha.

- Que desastre...

- Não diga tal blasfêmia! – o Auxiliador do grupo da tecelagem aproxima o rosto da mesa, seus olhos amarelados ameaçando saltar das órbitas – A escolha do Sacerdote é sagrada, e certamente a Voz tem um motivo muito sábio para...

- Ela veio do seu grupo, não é? – Camilo interrompe.

O homem volta a deitar os olhos sobre o prato à sua frente, retorcendo os lábios num gesto de desgosto capaz de denunciar a resposta para todos.

- Você sabe com quem estamos lidando, eu suponho...

O Auxiliador da tecelagem balança a cabeça, a colher tremendo em suas mãos.

- Sendo assim, espero que o senhor esteja preparado para sua noite de núpcias, Sacerdote. Se já tiver terminado, peço que me acompanhe até seu quarto.

Com o corpo rígido, Pandora se levanta, saudando brevemente os Auxiliadores antes de se apressar para acompanhar o passo rápido de Camilo através dos corredores estreitos.

- Tudo está indo de acordo com o planejado. – ele comenta, sem dar-se ao trabalho de esperar por ela – Você só precisa contar para ela o seu segredinho agora, e então podemos prosseguir para a segunda fase.

Pandora estaca.

- Você não contou?!

Ele ri, coçando a nuca.

- Não é o tipo de coisa que eu poderia contar, senhor. É algo de seu interesse pessoal. Vocês sabem lidar melhor com esse tipo de coisa.

- O que ela pensa de mim?!

- O mesmo que todos pensam, que você é o Sacerdote.

Com as pernas travando de pânico, ela o segue até a porta fechada.

- Não fique desse jeito, você vai conseguir contar para ela. – ele abre a porta, empurrando Pandora para dentro – E, se não conseguir contar, ela vai acabar descobrindo logo. Boa sorte.

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Pandora (COMPLETO) - Livro III - Trilogia DantálionWhere stories live. Discover now