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Quando o fogo se apaga e o chão finalmente está frio o bastante para ser pisado sem causar queimaduras, as duas saem para a entrada do Templo, admirando o torrão preto que agora é a floresta, a trilha de escombros que ocupa o lugar das casas, e a pilha de cadáveres enegrecidos que os poucos sobreviventes que permaneceram na cidade agrupam, arrastando desajeitadamente os corpos que se desfazem, a maioria dos vivos portando suas próprias feridas e queimaduras.

- Para quem dizia achar errado matar, até que você conseguiu causar um belo estrago, impostora...

- Você não tem razão nenhuma. Você me entregou uma cabeça como presente.

- Eu entreguei a cabeça de um ditador, você incendiou uma cidade inteira. Não compare uma coisa com a outra. Você sabe que o que fez é totalmente desproporcional. – ela suspira, enrolando uma mecha de seu cabelo vermelho – Eles nunca vão se reorganizar depois disso... Pelo visto, muita gente já saiu daqui. Os campos queimaram. A maioria dos depósitos devem ter queimado também. Sem contar o Palácio, com todos os documentos e Auxiliadores... Como pretende retomar o controle? Você ainda é a herdeira do Palácio, por direito. Seria interessante ver isso, uma mulher comandando a cidade... Talvez fosse a solução definitiva desse pesadelo.

- Se quiser ser essa mulher, sinta-se à vontade. Eu estou indo embora.

Helena observa, surpresa, enquanto a outra desce as escadas, tomando o que havia sobrado de sua mochila nas costas e caminhando através dos destroços, ignorada pelos passantes.

- Espere aí! Você acha que vou ficar nessa merda sozinha?! - Helena corre para alcançá-la - De onde veio essa ideia de ir embora?

- Meu pai. – responde, sem mover os olhos do caminho à frente – Ele estava certo quanto a isso. O pesadelo só acaba quando você acorda, e essas pessoas não vão acordar enquanto não quiserem, e eu não vou perder meu tempo sacudindo cada uma delas.

- Do que está falando?

- Disto. – ela aponta para os homens e mulheres que carregam carroças lotadas de pedaços de madeira, pedras e cadáveres – Eles já viram meia dúzia de rebeliões, e continuam a viver como se tudo estivesse na mais perfeita ordem. Eles gostam de viver assim, e gostam de ser escravizados. Nenhum grupo ou minoria será capaz de mudar nada. As coisas só vão mudar quando cada um deles decidir mudar. Enquanto isso, eu não pretendo derramar nem mais uma gota de suor por eles. Cada um é dono de seu próprio destino, e ninguém merece o sacrifício de um salvador, seja ele um Surdo, um Sacerdote, ou mesmo um deus.

- Você está abandonando seu povo, então?

- Não. Eu estou parando de me abandonar por causa de pessoas que não moveriam uma palha por mim.

Helena para, olhando com incerteza da trilha que leva aos limites da cidade para o caminho de ruas que desembocam no centro.

- Você vem comigo, Surda, ou vai ficar aqui enterrando defuntos até que eles te enterrem?

Verificando os bolsos, Helena se certifica de que está ainda com a adaga e com a pistola. No outro bolso, o maço de cigarros e um isqueiro quase sem gás. Por fim, toca o compartimento lateral das calças.

- Está bem. Mas não pense que eu vou andando. – ela ergue a mão, rodando uma chave entre os dedos - Você ainda lembra onde estacionamos?






FIM



FIM

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Pandora (COMPLETO) - Livro III - Trilogia DantálionWhere stories live. Discover now