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Helena está sentada sobre a cama, desfazendo uma trança do cabelo
Sorri diante da entrada silenciosa do Sacerdote, voltando o rosto para vê-lo.

Pandora paralisa por um instante, perturbada pelos olhos peculiares que a observam. O direito é perfeitamente azul, enquanto o esquerdo beira o preto em seu castanho-escuro. Como podia não ter notado esse detalhe durante todo o resto do dia?

- Seus olhos... – comenta, incapaz de conter o próprio espanto.

- Heterocromia. – Helena sorri, tomando a frase da outra como um elogio, algo que estava longe de ser – É uma mutação genética rara, já ouviu falar? Menos de um por cento das pessoas do mundo todo nascem assim, não é surpreendente que você nunca tenha visto. Já estou acostumada com todos os imbecis daqui me olhando como se eu fosse um alienígena ou algo do gênero, mas eu não posso reclamar. Se fosse na era do governo de seu pai eu teria sido executada como uma aberração, mas olhe só, sou a própria esposa do Sacerdote! – ela gargalha com malícia, jogando os braços sobre o colchão – Os tempos mudam, não acha? Alguns vivem, outros morrem, e depois todos nós trocamos de lado.

Pandora fica quieta, hipnotizada pelo olhar exótico que a observa com uma doçura quase assustadora.

Inicialmente Helena parecia ser apenas uma glutona mal-educada, com modos extravagantes e escandalosos inadequados ao Palácio.

Enterradas no fundo de seus gestos, porém, aparentemente estavam certa cultura e certa consciência nefasta.

- Não fale sobre o passado. – a boca de Pandora dispara involuntariamente.

Duas sobrancelhas se erguem simetricamente sobre os olhos assimétricos da outra.

- Não gosta de falar sobre seu pai, Sacerdote?

- Não. Nunca mais fale sobre ele.

- O que houve com ele? Ouvi boatos de que ele se matou. É verdade?

- Eu mandei não falar sobre ele!

Um baque reverbera pelo quarto. Pandora analisa com curiosidade seus próprios punhos fechados sobre a cômoda de madeira recostada à parede. Acessos de raiva eram raros para ela, assim como as frases impensadas. Em menos de cinco minutos de convivência, Helena já estava alterando sua personalidade. Para pior.

Os olhos de cão continuam a encará-la, a trança já totalmente desfeita dando a Helena uma aparência mais jovial e rebelde conforme cruza as pernas, provocativa.

Entortando um pouco a cabeça, Pandora finalmente identifica a cor de seu cabelo, tão exótica quanto a cor dos olhos.

Vermelho. Vermelho como um incêndio. Vermelho como algo que nunca deve ser tocado, a menos que alguém deseje queimar os dedos.
E quem iria querer queimar os dedos?

- Você é uma figura interessante, Sacerdote. – ela se ergue, levantando consigo as chamas de seu cabelo e as duas pedras raras cravadas em seu rosto – Sempre quieto, nunca dizendo uma só palavra diante de seu povo, deixando seu Auxiliador falar por você. Correm boatos de que você tem problemas de fala, mas acabei de perceber que o problema não é esse.

Invadindo seu espaço, Helena coloca as duas mãos sobre a cômoda, prendendo o Sacerdote entre elas.

- Sua voz é um pouco fina demais para ser agradável, mas não acredito que seja isso que te impeça de falar. Acho que você na verdade tem medo de se mostrar como realmente é.

Helena toca a mão em seu pescoço, abrindo a parte superior da túnica. Em pânico, Pandora segura as mãos da outra, empurrando-a.

- Pare! Eu preciso explicar...

- Explicações são coisas para se fazer de manhã. – interrompe a esposa, assumindo um tom lascivo e libertando as mãos para voltar a buscar a túnica – A noite serve para outras coisas.

Pandora (COMPLETO) - Livro III - Trilogia DantálionWhere stories live. Discover now