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- Espero que tenham se divertido em sua primeira noite, senhor Sacerdote. - Camilo sorri com cinismo, observando os hematomas no pescoço de Pandora – Acredito que vocês devem ter se conhecido melhor.

O Sacerdote não responde, olhando com ódio para o próprio prato.

- Foi uma noite maravilhosa. – Helena diz, abrindo um sorriso perfeitamente falso – Acredito que vamos nos dar muito bem nesse relacionamento.

- Fico feliz em ouvir isso.

Os dez Auxiliadores conversam enquanto tomam o café da manhã, seus semblantes tranquilos, animados com a perspectiva de retomarem a ordem anterior no Palácio.

Foram todos escolhidos por Camilo, a maioria membros da Ponte ou por eles indicados. Ainda seria necessário encontrar mais Auxiliadores para suprir as carências econômicas da cidade, mas, considerando-se a desorganização dos grupos de trabalho e os conflitos civis estourando a cada semana, dez eram tudo que a Ponte havia sido capaz de arranjar e financiar até o momento.

Não que fossem tão importantes assim. Na verdade, Camilo era quem se encarregava de praticamente toda a administração interna e externa ao Palácio, ocupando simultaneamente o cargo de Auxiliador pessoal do Sacerdote e de Auxiliador da Justiça (apesar de não haver muita justiça a ser aplicada durante um conflito civil).

Os dez, dessa forma, mantinham-se ocupados com tarefas mais simples, muitas vezes desempenhando somente a função de intermediários entre o Sacerdote e os poucos grupos de trabalho estabilizados, quando tinham coragem o bastante para pisarem os pés fora do Palácio.

Embora vivessem todos confinados no edifício, Camilo havia assegurado que não conhecessem a real identidade do Sacerdote, já que a voz fina de Pandora poderia denunciar sua fraude. Assim sendo, era ele quem tomava as rédeas da situação e falava em nome de todo o Palácio. Falava, inclusive, em nome da própria Voz.

Helena devora a comida de seu prato nervosamente, lançando olhares furtivos entre os Auxiliadores e os membros da guarda posicionados com suas armas nas saídas do salão.
Procurando por sinais de um Surdo infiltrado, provavelmente.

Como se tivessem ouvido o pensamento, os olhos provocativos de Helena pousam sobre os de Pandora, descendo para o prato à sua frente com desdém.

- Você não come não, Sacerdote?

Sem dizer qualquer palavra, Pandora apenas ergue o rosto para encará-la. Palavras seriam desnecessárias diante de seu olhar transbordando de irritação.

- Se você sempre come pouco assim, isso explica por que não aguentou nem um minuto de...

Ela se interrompe, sabendo que não pode concluir a frase.

Os Auxiliadores riem com imbecilidade da piada que só existe em suas mentes infantis enquanto o olho castanho de Helena pisca com audácia, dizendo o que havia faltado em seus lábios:

“Nem um minuto de luta contra mim.”

- O Sacerdote segue uma dieta rígida para manter sua saúde frágil. – Camilo comenta, movendo os copos da mesa como se fosse retirá-los, quando na verdade não ia – E a senhora talvez devesse seguir seu exemplo, Helena. A senhora parece um pouco acima do peso, isso pode prejudicar a saúde do futuro Sacerdote.

Os talheres tilintam quando os punhos de Helena acertam a mesa com mais força do que pretendia. Pandora estende as mãos à frente do peito instintivamente.

- Está me chamando de gorda, Auxiliador?

Todos os Auxiliadores interrompem suas garfadas pela metade para olharem com espanto na direção de Camilo. Um deles até mesmo deixa cair da boca um pedaço de pão que estava mastigando.

- De maneira alguma, minha senhora, eu apenas sugeri que...

- Porque me pareceu que estava me chamando de gorda. – ela interrompe – E eu não admito que ninguém, absolutamente ninguém, me chame de gorda.

A cena do café da manhã continua congelada, ninguém move um músculo, alguns prendendo a respiração com medo de serem notados.

Pandora observa com curiosidade enquanto Helena pressiona o homem que havia lhe causado tanto medo desde a infância.

- Eu não quis dizer isso, minha...

- Peça desculpas para a moça. – o Auxiliador do grupo da tecelagem murmura, acenando freneticamente para Camilo, seus olhos arregalados na expressão de quem já conhece a natureza de Helena a fundo.

Camilo suspira.

- Perdoe-me pela indelicadeza, minha senhora. Se a senhora está satisfeita com sua aparência, eu não farei mais nenhum comentário.

- Ótimo. Eu não preciso de um velho estropiado pra me dizer como devo aparentar.

Um a um, os Auxiliadores retomam a refeição, tentando dissipar o clima tenso. Helena sorri satisfeita, pegando os talheres e cortando um pedaço generoso de queijo em seu prato.

Apenas Pandora permanece imóvel, com os olhos fixos num ponto invisível à sua frente, como quem enxerga o mundo pela primeira vez. 

 

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Pandora (COMPLETO) - Livro III - Trilogia DantálionOnde histórias criam vida. Descubra agora