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Durante todo o resto daquele dia, Helena a segue de perto, esbarrando ou pisando na barra de sua túnica, algumas vezes acidentalmente, outras vezes não tão acidentalmente assim.

Pandora tenta ignorá-la o máximo que pode enquanto segue com suas tarefas diárias de ouvir os relatórios dos Auxiliadores, comparecer a reuniões e cumprir agendas insignificantes. Ao final do dia, seus nervos já estão à flor da pele, a presença irritante de Helena drenando cada gota de sua paciência.

Acostumada a ficar imersa em seu silêncio e solidão, ser seguida o dia inteiro por uma pessoa escandalosa e briguenta era a última coisa que poderia desejar, ainda mais sabendo que, além de sua personalidade incômoda, Helena era também uma espiã Surda enviada para matá-la.

Teria de encontrar uma maneira de contar o fato para Camilo, mas, enquanto a presença quase parasita da garota grudasse em suas costas, ela teria que manter a boca fechada. Helena poderia surtar e tomar uma atitude impensada se fosse colocada contra a parede. O que mais a preocupava, na verdade, nem era o detalhe de ter uma assassina mercenária a seguindo o dia todo, mas principalmente o detalhe de ser forçada a dividir cada minuto com ela, mesmo quando chegasse a noite.

A noite... Só de pensar na noite, seus dentes tremem de ódio.

O que faria? Não poderia simplesmente dormir enquanto Helena a espreitava. E, mesmo que pudesse por um segundo ignorar o perigo iminente da outra, sua presença a incomodaria demais para que conseguisse fechar os olhos e descansar. E já estava tão exausta...

Helena devora seu jantar com mais ferocidade que qualquer um dos Auxiliadores, sem cordialidade alguma, como se nunca antes tivesse visto comida em sua vida. Enojada pela visão, Pandora foca os olhos em seu próprio prato, alimentando-se também com voracidade, a irritação a forçando a mastigar rapidamente, mal sentindo qualquer sabor.

O som de um pigarro a desperta.

Camilo tem os olhos fixos nela, numa expressão reprovadora.

Pandora solta os talheres, compreendendo imediatamente.

Curvando-se num pedido silencioso de desculpas, levanta e se retira do salão. Helena a segue com o olhar.

Poucos minutos depois, a comida em excesso já está devidamente expurgada de seu estômago e lançada no esgoto.

Pandora limpa o suor do rosto, abrindo a torneira do banheiro para deixar que alguns goles gelados desçam por sua garganta áspera.

O sabor amargo de seu próprio ácido era algo com o qual já estava acostumada. Segundo o que a mãe dizia, havia herdado o estômago frágil do pai. Vomitar não era tarefa difícil para ela, bastava pensar em algo desagradável ou pressionar a barriga com força, e seu corpo se encarregaria do resto. Pensar em Helena havia ajudado desta vez, nada poderia enojá-la mais que a presença sufocante da garota ruiva.

E é a presença sufocante da garota ruiva que empurra a porta do banheiro com violência, quase a atingindo no rosto.

- O que está fazendo aqui, Helena?!

A garota mantém a porta aberta com um dos braços.

- Você por acaso estava vomitando?

- Estou usando o banheiro. Saia.

Pandora tenta fechar a porta, sem sucesso. Helena mantém a firmeza do braço sem esforço algum.

- É por isso que você é tão magra?

- Não te interessa! Vá embora! É minha privacidade!

- Sua privacidade uma ova! Eu vi como aquele cretino estava te olhando! Foi ele quem te obrigou a fazer isso?

Pandora (COMPLETO) - Livro III - Trilogia DantálionWhere stories live. Discover now