18.

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- Você sabe que sala é esta, senhor?

Sacudi a cabeça.

- Esta é uma sala especial, escondida no subsolo do Palácio. Foi construída depois do primeiro massacre realizado pelos Surdos. – ele gira a chave, que estala no interior da porta de madeira – Foi muito utilizada no regime de seu pai para punir os inimigos dele. Estou te avisando apenas para que não se assuste se encontrar alguma marca desagradável aqui dentro. Por sorte, - ele sorri ao empurrar a porta – agora nós teremos uma utilidade muito melhor para ela como nosso local particular de reuniões.

O ambiente era aconchegante, apesar da ausência de janelas. Havia algumas poltronas ao redor de um carpete felpudo, uma mesa de madeira escura ao centro, alguns quadros que não pude decifrar espalhados pelas paredes, e duas luminárias elétricas posicionadas nas diagonais. Nas beiradas que o carpete não cobria, porém, eu podia ver as manchas escuras sobre a pedra.

Manchas de sangue.

- Sente-se, por favor.

Ajeitei-me sobre uma das poltronas, o tecido macio praticamente engolindo meu corpo pequeno. Camilo se sentou na poltrona à minha frente, apoiando os cotovelos sobre as coxas para me olhar de perto.

- Este é seu primeiro dia em sua cidade, e precisamos conversar sobre os últimos acontecimentos antes que eu possa te explicar sua função. Qual é sua impressão até o momento?

- Parece perigoso. – sussurrei sem desviar a atenção das manchas no chão, minha voz desaparecendo de forma estranha no ar abafado.

- Não parece perigoso, é perigoso. E é por isso que você deve ouvir tudo que eu te disser atentamente. O que seus pais te contaram sobre a história deste lugar?

Entrelacei os dedos, incerta se queria falar sobre meus pais.

- Não muito... Eles não... Gostavam de falar sobre aqui.

- Isso é bom, - ele sorriu – não são histórias muito apropriadas para crianças de sua idade. Mas, infelizmente, eu serei obrigado a te contar o que houve, por sua própria segurança. Eu receio que talvez saber a verdade sobre seus pais seja um pouco difícil para você. – seus lábios apertaram em desgosto – Provavelmente você gosta deles, e saber as coisas ruins que eles fizeram pode mudar sua opinião. Mas conhecer a verdade é melhor do que acreditar na mentira, não acha?

Acenei.

- A verdade é que seu pai, na época em que era Sacerdote, se aliou aos Surdos na tentativa de destituir os Auxiliadores e concentrar o poder apenas em suas mãos. Foi por isso que ele eliminou friamente o pai dele, seu avô, e depois assassinou seu Auxiliador pessoal e o Auxiliador da Justiça para que não pudessem tomar seu lugar. – ele fez uma pausa, retirando uma garrafa de metal do bolso interno da jaqueta para umedecer a boca. Quando não estava em público, Camilo abandonava a túnica tradicional dos Auxiliadores - Depois disso, ele traiu os Surdos também, matando o líder deles para roubar sua posição. – outra pausa, dessa vez para secar as laterais da barba com a manga da jaqueta -  Teria sido menos cruel se ele somente os matasse, mas seu pai era ardiloso. Antes de eliminar o líder dos Surdos numa execução pública, ele se aproximou dele até ganhar sua confiança. Foi um golpe bastante baixo, é tudo que posso comentar a respeito, e abalou o espírito desta cidade até hoje. É vergonhoso dizer isso, mas... Seu pai seduziu outro homem para depois traí-lo e executá-lo, tudo para ganhar domínio sobre o Palácio e também sobre a oposição. Ele era genial, e cruel.

Meu pai...

Aquele homem reservado e estranho, que rompia seu silêncio apenas para gritar em seus pesadelos... O homem que havia me dado origem e cuidado de mim, apesar da distância... O homem que minha mãe havia amado.

Como podia ele ser um monstro?

Camilo observava minhas reações.

- É difícil encarar a verdade sobre pessoas que amamos, não é? Principalmente quando ela é dolorosa.

Ele se ergueu, aproximou-se de mim e pousou as mãos em meus ombros.

- Mas não se preocupe com isso, senhor Sacerdote. Nós cuidaremos para que o passado não se repita. Você vai nos ajudar a mudar o passado desta cidade, não vai? Você vai limpar o nome de sua família, promovendo a paz e a ordem novamente, apagando para sempre a mancha de traição que foi tingida por seu pai. Não é isso que você deseja? Ser livre dos erros do passado?

Acenei em silêncio, com os olhos ainda presos no sangue absorvido pelo chão de pedra. De quem era aquele sangue? Há quanto tempo estava ali? Quantas vezes o esfregaram para tentar apagar o passado?

 De quem era aquele sangue? Há quanto tempo estava ali? Quantas vezes o esfregaram para tentar apagar o passado?

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Pandora (COMPLETO) - Livro III - Trilogia DantálionOnde histórias criam vida. Descubra agora