Notas Finais

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Chegou aquele momento que eu tanto temia: a hora em que, depois de mais de cinco anos de trabalho exaustivo, eu colocaria meu último ponto final na última página do último livro envolvendo o universo de Dantálion.

Foi uma caminhada maravilhosa, ao mesmo tempo que dolorosa. Foi preciso encarar os demônios de frente, e não só aqueles da ficção, mas também os da realidade.

Considero que esta trilogia foi a construção definitiva de mim mesma: Dantálion é minha mente, o Filho da Rebelião é meu coração, Pandora é meu corpo. E agora, ao pontuar minhas linhas finais, sinto que finalmente existo, e que finalmente minha vida encontrou algum propósito maior que esta existência vulnerável e dura.

Existem muitas relações entre o universo de Dantálion e minhas crises pessoais, e acredito que esta será minha última chance de confessar a vocês, que merecem ter tal conhecimento, já que me acompanharam até aqui.

Minha distopia pessoal chama-se Distrofia de Cones, uma doença degenerativa visual que aos poucos rouba minha visão. Os três livros foram escritos com meus programas configurados para acessibilidade, sem os quais o simples ato de usar um computador se torna incômodo e doloroso. O simbolismo da Distrofia de Cones foi depositado em Dantálion: ele não sai à luz do dia (fotofobia), ele tem vida curta (degeneração de campo visual), é deprimido, o que reflete meu próprio cansaço emocional. Também há, nos três livros, uma insistência minha em descrever olhos. Dantálion é o garoto de olhos negros. Helena é a garota de olhos ímpares. Pandora é a garota de olhos fracos. Laura é a lutadora de olhos azuis... Eu gosto de falar sobre olhos, porque sinto que são o que há de mais valioso e de mais expressivo em minha vida. A efemeridade do dente-de-leão é a comparação que faço com a passagem rápida e frágil de minha visão.

Um bom observador há de reparar também que as paisagens são pouco importantes em todos os livros. Não descrevo como é a floresta, nem a cidade, nem o Palácio, etc. Em primeiro lugar, porque a descrição visual é algo a que pouco me atento cotidianamente, e quis mostrar a vocês um pouco dessa sensação. Em segundo, porque o cenário não é mais importante que os sentimentos das personagens.

De qualquer maneira, concluir uma trilogia que beira as mil páginas é um feito notável para portadores de DC, e me considero muito feliz por ter as condições necessárias para fazê-lo. Quero que Dantálion esteja disponível em modos de acessibilidade para deficientes visuais, e isso é um compromisso que me esforçarei para honrar assim que ele for publicado.

Para concluir, gostaria de explicar um pouco mais o processo e significado de Pandora para mim, sem esquecer de agradecer a todos vocês, pelo apoio, pelos comentários, pelo companheirismo.

Vamos lá:

PANDORA E HELENA

Meu objetivo, dessa vez, não foi criar um romance homossexual. A ideia original envolvia isso, mas ao longo do trajeto acabei percebendo que insistir no relacionamento amoroso seria refazer Dantálion na versão feminina, e descartei a possibilidade. Além do mais, Helena não é o tipo de personagem que nos permite chegar a esse nível, apesar de suas similaridades com Iago.

Helena é uma mulher jovem, beirando a casa dos vinte anos, que, no entanto, já passou por mais dificuldades que a maioria de nós. Nascida de um abuso sexual, testemunhando o assassinato da mãe e fugindo do pai (Anton, para variar...), ela passa a adolescência se prostituindo para sustentar o básico. Abrigada pelos Surdos, porém, ela decide entregar sua vida a eles, jurando lealdade inquestionável ao grupo, sem saber que estavam sendo controlados por seus inimigos.

A lealdade de Helena aos Surdos é questionada por Pandora. Como poderia ela, uma garota tão forte e independente, ceder sua dignidade ao controle de homens? A questão levantada é idêntica às críticas que Helena faz a Pandora: ela mesma estava se submetendo a Camilo, acreditando depender dele.

Pandora (COMPLETO) - Livro III - Trilogia DantálionOnde histórias criam vida. Descubra agora