- Ela foi baleada? Você consegue ser cada vez mais inútil!
Num cubículo escuro perdido no meio da mata, Lúcio e outro Surdo os recebem, carregando Helena para uma maca improvisada enquanto Pandora se apoia a uma parede, exausta demais para tomar qualquer partido na discussão.
- E você foi muito esperto de ter deixado as duas sozinhas, não?! Eu nem sabia que ela era uma garota!
- Que diferença faria?
- Eu sei lá! Um homem saberia se proteger melhor!
- Bruno... – a voz do Surdo ainda oculto percorre a sala – Você poderia, por gentileza, calar a merda da sua boca? Várias mulheres já salvaram sua pele, inclusive eu. E pelo visto a recíproca não é verdadeira.
Removendo a máscara, a Surda aparece. Emoldurada por cabelos grossos e escuros já manchados por alguns fios grisalhos, ela tem ainda um rosto jovial, olhos pequenos transbordando de vitalidade que a fazem parecer uma menina, por mais que as rugas e manchas em sua pele levemente negra digam o contrário. Sua voz natural é áspera, mas cheia de uma energia contagiante. Ela estende a mão para Pandora.
- Malphas. Muito prazer.
- Malphas é uma mulher... – Helena murmura, mais atordoada em seus pensamentos do que presente na realidade – E ninguém nunca me contou...
- O único que sabia era... – ela pausa, trocando um olhar rápido com Lúcio e calando-se.
- O único que sabia era Iago. – Bruno emenda, sua expressão ácida voltando-se diretamente para Lúcio.
Os dois se encaram por longos segundos.
- Vocês dois querem parar com essa briga idiota e ajudar aqui? – Malphas interrompe o silêncio hostil - A menina está sangrando. Você deve entender disso melhor do que nós, Lúcio. O que tem aí que possa coagular?
- Não tenho muita coisa, mas acho que a última remessa veio com material para estancar. – ele vira o rosto para Pandora – O que você fez?
- Eu só... Desinfetei e fiz o curativo...
- Não deveria ter colocado tanta gaze. – ele mantém sua severidade, tirando a calça de Helena para alcançar a ferida – Pensei que você soubesse fazer um curativo simples.
- E eu pensei que você não fosse me deixar pra trás pra morrer.
Bruno leva uma das mãos à boca, tentando conter o riso.
- Parece que você tem um talento nato para deixar quem você ama morrer, Lúcio...
Soltando a perna imobilizada de Helena, Lúcio se move bruscamente, pegando um estilete sobre a maca e avançando para o outro.
- Você está querendo morrer, seu desgraçado? – apertando os dentes, ele pressiona a pequena lâmina sobre a jugular de Bruno, que não ousa mover um músculo – Porque eu já passei do limite de me importar de manter um merda como você vivo.
Malphas suspira, assumindo ela própria os procedimentos médicos e gesticulando com a mão para que Pandora a auxilie.
Helena ri com escárnio, seu corpo dolorido estremecendo em resposta à dor.
- Do que está rindo? – Pandora segura sua perna com firmeza para que Malphas retire as ataduras.
- Isso é tão típico... Homens se matando num canto, mulheres tentando se socorrer no outro... Será que eles são ruins assim por natureza ou se esforçam pra isso?
- Aí está uma boa pergunta. – Malphas fecha a ferida com um tipo de bandagem mais moderna, que deve ter saído de uma cidade estrangeira. Em questão de segundos, tanto o sangramento quanto o buraco não parecem mais tão ruins – Todos esses anos lutando pela mesma causa, e eles ainda não conseguiram se entender.
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Pandora (COMPLETO) - Livro III - Trilogia Dantálion
Science FictionAnos após a fracassada Revolução Surda, a filha de Lúcio é trazida ao Palácio para assumir seu lugar como Sacerdote, numa tentativa de conter a violenta guerra civil entre Surdos e Reformadores. O problema é que mulheres não podem ser Sacerdotes, e...