23.

43 16 15
                                    

- Eles estão te ensinando a lutar?

Pandora veste sua túnica cerimonial, enfiando os braços finos e quase os perdendo dentro das mangas enormes. A pergunta estranha de Helena interrompe sua concentração. Ela gira o corpo para trás, observando a garota que continua largada preguiçosamente sobre a cama, fumando.

- O que isso te interessa? Vamos logo, eu já disse pra se apressar.

- Você tem uma Audição, eu não. Vou levantar à hora que eu quiser.

- A esposa do Sacerdote é presença fundamental nas Audições, caso não saiba. E você também precisa de roupas especiais. Estão ali no canto. Se apresse.

- Só depois que você me responder.

Pandora suspira.

- Helena, você não se cansa desse seu jogo?

- Não enquanto você não se cansa do seu. - ela junta os lábios, enviando um beijo no ar antes de soltar um riso abafado.

- Não, não estão me ensinando a lutar.

Helena grunhe um novo riso, seus olhos destoantes presos ao teto numa expressão intrigada.

- Já passou pela sua cabeça que Camilo está tentando te matar, impostora?

Pandora amarra a cinta dourada ao redor da velha túnica branca, sem dar muita atenção à outra.

- Besteira.

Helena senta sobre as pernas cruzadas.

- Não é besteira, faz muito sentido.

- Só porque não estou aprendendo a lutar? Isso não tem nada a ver.

- Isso tem tudo a ver, impostora. Você é a pessoa mais importante da cidade, tem soldados com fuzis te vigiando o dia todo para te proteger de uma organização secreta que quer te matar, e eles nem mesmo te ensinaram a dar um soco? Não parece um pouco estranho pra você?

- Você disse bem, eu tenho soldados com fuzis. Por que preciso aprender a socar?

- Porque um Surdo pode entrar no seu quarto e te matar na calada da noite. - ela sacode no ar a faca que guardava na cabeceira da cama.

- Continua sendo besteira. Eles não poderiam prever isso.

- Claro que não. – Helena revira os olhos – Os Surdos são apenas especialistas em espionagem e assassinatos políticos, claro que seria impossível alguém da Ponte imaginar que eles seriam capazes de entrar aqui. Use a cabeça, idiota. Eles estão te negligenciando de propósito.

- Você está exagerando. Por que fariam isso? Camilo se arriscou pra me trazer até aqui.

Os lábios de Helena se rasgam em um sorriso cruel. Seus dentes despontam, os olhos de esfinge estreitando conforme ri um riso maldoso.

- Nunca parou pra pensar por que ele te trouxe até aqui?

- Porque eu me pareço com meu pai.

- Não é por isso. Você é uma garota se disfarçando de homem, eles poderiam muito bem colocar um chimpanzé em seu lugar e ele interpretaria melhor que você. Ele te quer por um outro motivo, garota, não ficou claro ainda?

- Do que está falando?

- Ele te escolheu justamente porque você é mulher! É perfeito!

Helena se ergue da cama e caminha com passos pesados até ela, agarrando seus pulsos com firmeza e a puxando para perto de si antes que possa reagir.

- Helena! Me solte!

- Use a cabeça! Por que ele te obrigou a se casar comigo?

- Por que você precisa tocar em mim o tempo todo?!

- Responda o que te perguntei! Por que tivemos que nos casar?

- Para manter minha fachada.

- Qual fachada, impostora?

- A de que sou homem.

- E?

- E de que vou ter sucessores.

- Exato! Mas qual é o problema conosco, garota? Por que nunca vamos atender a essa expectativa?

- Porque nós não podemos ter filhos. Isso é óbvio.

- É óbvio para Camilo, não para os outros. Os outros não fazem ideia de que você é mulher. Eles provavelmente vão pensar que foi um infortúnio do destino não termos descendentes. Que eu sou estéril, ou que você não sabe como fazer direito.

Pandora puxa os braços, libertando-se para encarar Helena com raiva.

- E onde você quer chegar com tudo isso? Eu estou com pressa!

- Fique calma, está bem? Eu só tenho mais uma pergunta para você. A última pergunta, eu juro, e então você pode sair por aquela porta e continuar sua rotina superimportante de enganar a todos.

A mão de Helena toca a lateral de seu rosto, seus dedos quentes acariciando a pele frágil e funda sob os olhos. Sua pele está tão fina que quase é possível enxergar todos os vasos de sangue correndo por baixo dela.

- Responda-me, minha pequena flor de água salgada... Se o Sacerdote morre sem descendentes, quem ocupa o lugar dele?

Os dedos de Helena tornam-se duros, machucando enquanto percorrem sua mandíbula.

- Eu sei a resposta, e você sabe a resposta, impostora.

Pandora estremece, seu corpo ardendo e esfriando simultaneamente, incapaz de se livrar do toque desagradável.

- O próximo na linha de sucessão é seu Auxiliador pessoal, também conhecido como Camilo. 

"A vida é como uma queda d'água

Oops! This image does not follow our content guidelines. To continue publishing, please remove it or upload a different image.

"A vida é como uma queda d'água.
Somos uma pessoa no rio
E outra pessoa após a queda."

Pandora (COMPLETO) - Livro III - Trilogia DantálionWhere stories live. Discover now