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- Amon. – profere um dos Surdos, sua voz metálica disparando como um grito no ambiente vazio e mal iluminado da sala que a Ordem havia assumido para suas reuniões. O poço havia sido abandonado após a rebelião, obviamente.

- Eligos. – diz um segundo, colocando-se de pé antes de voltar a sentar-se.

- Focalor. – prossegue outro.

- Malphas.

Obedecendo ao sinal, Helena se ergue:

- Cérbero.

- Alastor. – diz Pandora, pressionando os punhos sob a túnica para conter o pânico.

- Orias.

Assim continuam, até que todos os membros estejam devidamente apresentados. Sem piscar os olhos por um segundo, Helena grava mentalmente os nomes e as posições que cada um deles ocupa. São onze, sem contar as três, um número bastante reduzido perto do que eram alguns meses atrás. Desde que se "casara" com Pandora, ela nunca mais frequentou as reuniões, falando ocasionalmente com um ou outro na calada da noite. Muitas baixas. Ela poderia estar entre eles agora. A vida dos Surdos, afinal, nunca valeu muita coisa. Escapar por um triz sempre foi rotina comum, um estilo de vida. Aliciar-se aos Surdos era disparar o cronômetro da própria morte e torcer para não ser de modo doloroso, o que raramente era verdade.

Pandora memoriza alguns nomes, tendo a certeza de que esquecerá a maioria em pouco tempo. A tensão a atrapalha.

O homem que a manteve sob a mira de um fuzil apenas alguns dias antes estava ali, logo ao lado, escondido. Mesmo com Helena e Malphas para protegê-la, ela não tinha dúvidas de que Camilo, ardiloso como era, seria muito capaz de concluir a tentativa desta vez. Com o elemento surpresa a seu favor, nem os movimentos mais velozes de suas companheiras poderiam parar uma bala ou uma faca. Ou um enforcamento. Ou qualquer coisa que o valha. As chances de morrer estavam subindo assustadoramente.

As duas companheiras estavam focadas em encontrar o Auxiliador, mas Pandora sabia que esse não era o único problema ali. Havia um problema que as outras ignoravam, e o problema eram os demais rostos escondidos sob as máscaras, impossíveis de decifrar, impossíveis de prever. Camilo não seria ingênuo para estar sozinho no meio de estranhos, ele devia ter alguém com ele. E, se ele tinha alguém com ele, o que esse alguém faria quando sua identidade fosse revelada?

- Nesta noite, iniciaremos discutindo a situação atual do Palácio. – começa um deles, que Helena havia identificado como Eligos – Como todos devem saber, a morte do Sacerdote interrompeu os planos da Restauração, colocando o Auxiliador em primeiro posto como o novo Sacerdote. O que podemos concluir desse fato?

Pandora respira com dificuldade, seu hálito quente umedecendo a superfície interior da máscara. Os Surdos pensavam que estava morta. Era o que Camilo queria, mostrar a todos que o Sacerdote tinha sido substituído. E era o que conseguiu fazer que acreditassem.

- O poder do Palácio enfraqueceu. – é Malphas quem responde, sua naturalidade certamente ajudando a dissipar qualquer suspeita que pudesse recair sobre ela.

- Talvez sim, talvez não...

- Alterações no equilíbrio de poder sempre enfraquecem o governo. – ela retoma, avançando para o centro do cubículo, com a autoridade que décadas de liderança lhe concediam – Os que estavam comigo no passado presenciaram algo parecido, e estamos presenciando mais uma vez.

- O passado foi desastroso.

Helena foca sua atenção no indivíduo que havia proferido a frase. Alguém que estava no passado, e alguém que desprezava o passado. Grandes chances de aquele ser o rosto de Camilo.

Pandora (COMPLETO) - Livro III - Trilogia DantálionOnde histórias criam vida. Descubra agora