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Pandora demora alguns minutos para encontrar as palavras:

- Isso é impossível, você sabe...

- Impossível para você, não para mim.

- Mas como...

- Não com você, obviamente, sua idiota. Mas eu posso engravidar, e isso garantiria que a sucessão do Palácio não passasse para Camilo se você morrer.

- De quem?!

- Sei lá, de qualquer um.

- Você está ficando louca?!

Helena não responde, estalando os nós dos dedos.

- Você vai engravidar e ter um filho, por causa deles?! Você vai se deitar com qualquer desconhecido só porque...

- Cale a boca, Pandora. Você não entende nada sobre a vida. - ela sacode a cabeça, esticando o braço para pegar mais um cigarro - Você passou a vida toda vestida como homem, não faz ideia do que é ser mulher numa cidade como esta. Você acha um absurdo eu me deitar com um estranho? Não só me dispus a fazer isso com você, mas perdi a conta de quantas vezes já fiz isso em minha vida. – ela inspira uma longa tragada – Eu cresci sem pai nem mãe nessa merda de lugar caindo aos pedaços. Como acha que consegui dinheiro para me manter viva?

- Você está me dizendo que você...

- Eu estou dizendo que graças a pessoas como você, graças a homens como você, mulheres como eu vivem esse tipo de vida. E você, impostora, - ela dobra o tronco em sua direção e aponta um dedo em seu rosto – você é tão desprezível quanto qualquer um deles. Você é um homem perfeito, como eu disse. Jamais seria capaz de sequer imaginar o que é ser mulher, e ser mulher é isso. Aproveite então enquanto pode vestir essas roupas largas e esconder seus seios, mas saiba que não pode deixar de ser o que é. Você pode iludir a todos dizendo que é homem, mas não pode escapar da vergonha de ser mulher. O mundo vai te odiar por ser quem é, e suas roupas, e seu cabelo, e seu disfarce, jamais vão te proteger dele. O mundo é homem, Pandora, e mais cedo ou mais tarde, ele vai cansar de te usar, e vai te descartar.

As duas se observam em desafio.

- Então você vai deixar que um bando de homens sem rosto te obriguem a ter um filho? É isso? Isso é sua grande luta pelas mulheres, Helena? Isso é o que te faz superior a mim?

- Não estou lutando pelas mulheres. Estou lutando por mim.

- Então me faça um favor e pegue suas coisas. – Pandora abre o armário e lança as peças de roupa de Helena sobre ela – Me faça um favor e pegue a merda das suas coisas e vá embora daqui. Vá embora do Palácio, e desta cidade. Eu sei onde Camilo esconde a moto dele. Você vai roubá-la, pegar a estrada e ir para o mais longe que puder. Lute por você mesma. Fique longe de nós.

Com uma pilha de roupas pendurada sobre o ombro, Helena ri.

- Se quiser fugir, fuja você, já que não tem coragem nem de mostrar a própria voz. Eu luto pelos Surdos. Eu luto por seu pai. Por Dantálion. E por todas as outras que, como eu, estão se sacrificando agora.

- O que os Surdos fizeram de tão bom por você para que você venda seu útero por eles?!

- Eles me salvaram, eu já disse. Eles, depois de seu pai, salvaram minha vida.

- E por isso você pertence a eles agora?!

- Eu pertenço a quem eu quiser pertencer!

- Você não pertence a si mesma!

- Olha só quem fala!

- Eu estou aqui por um motivo!

- Qual motivo? Servir de marionete de Camilo?

- Eu estou aqui para tentar melhorar a vida de vocês!

- Pare de se enganar! Você sabe que só está aqui porque foi obrigada.

- Eu não fui obrigada! Minha mãe escolheu o melhor para mim!

- E se sua mãe te mandasse colocar uma arma na testa e puxar o gatilho, você faria?!

- Você não tem o direito de falar dela assim!

Helena se atira contra Pandora, derrubando-a e pressionando seu rosto contra o chão gelado.

- E onde está sua mãe agora, Pandora? Ela não vai te dar conselhos? Ela não vai entrar por aquela porta e te proteger de mim? Ela não vai te salvar? Onde está sua mãe?! Chame por ela! Chore até ela aparecer! Quer saber por que ela não veio?! Ela não veio porque ela está morta!

- Você não sabe disso! – Pandora grita, as lágrimas escorrendo descontroladamente – Você não pode saber!

- Sua mãe está morta, Pandora. E eu não me surpreenderia de descobrir que foi Camilo quem a matou.

- Cale a boca! Você não pode saber!

Pandora grita mais uma vez, acertando o punho no rosto de Helena. A garota ignora a dor e a segura contra o assoalho com mais força enquanto novos golpes tentam atingi-la.

- Isso dói, eu sei... – Helena sussurra ao seu ouvido – Mas você precisa saber a verdade. Precisa saber quem é seu inimigo. E, no momento, não sou eu com quem você devia se preocupar.

Ela se afasta enquanto a outra se dobra sobre si mesma no chão, ainda chorando.

- E se você admitir que isso tudo realmente te machuca, então eu juro por minha vida, Pandora. Eu juro por minha vida que vou te proteger.

 Eu juro por minha vida que vou te proteger

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Pandora (COMPLETO) - Livro III - Trilogia DantálionWhere stories live. Discover now