29.

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- Onde está sua adorável esposa, senhor Sacerdote?

Caminhando pelo corredor subterrâneo que leva à sua sala de reuniões, Camilo ri.

- Ela está indisposta. Quis ficar na cama.

- Sei... Imagino que deve ser um pouco difícil lidar com o temperamento daquela mulher, não? Deve ser quase tão difícil para você quanto foi para seu pai lidar com aquele...

Ele se interrompe, aparentemente arrependido de iniciar o assunto.

- Com aquele o quê?

- Com aquele sujeito... – emenda – Qual era mesmo o nome dele?

- Dantálion?

Ele para de caminhar, virando-se na direção de Pandora.

- Onde você ouviu esse nome?

- Meu pai costumava chamar por ele quando tinha pesadelos.

- É mesmo? – ele volta a andar, disfarçando o súbito interesse – E o que mais você lembra a respeito de seu pai? Ele costumava conversar com você sobre o passado?

- Não. Ele quase não dizia nada. Minha mãe me disse uma coisa ou outra sobre o que aconteceu, mas nada que eu lembre bem.

- Temos que tomar cuidado com histórias. – Camilo continua, sua voz se expandindo pelas paredes de pedra – Cada um sempre conta uma versão diferente, e todos querem ser os heróis. Infelizmente não podemos considerar verdade tudo que ouvimos, mesmo que venha de pessoas de confiança, como nossos pais...

Ele entra na sala, indicando que Pandora sente sobre uma das poltronas.

- O que você sabe sobre Dantálion, Sacerdote?

Ele acende um charuto, a fumaça girando e se acumulando no ambiente sem janelas. A fumaça de anos já estava impregnada no teto.

- Sei que ele foi um Surdo. – comenta timidamente.

- Sim, ele foi. E não qualquer Surdo, ele foi nosso líder. – o Auxiliador para por um instante, observando as ondulações do vapor que exala – Era razoavelmente bom, o sujeitinho. Tinha ideias boas no início, mas infelizmente acabou se envolvendo com seu pai, e logo os dois começaram a matar qualquer um que vissem pela frente. Seu pai era um bom manipulador, se quer saber... Manipular Dantálion não era uma tarefa que qualquer um era capaz de cumprir. Eu que o diga, tentei dissuadi-lo várias vezes, mas ele não me ouviu. Ele nunca gostou muito de mim. Aparentemente ele tinha uma preferência pelos caras maus... - Camilo ri sozinho de uma piada que só ele conhece – Pobre infeliz... Mal podia imaginar o que seu pai faria com ele.

- O que ele fez?

- Guilhotina. – os dentes amarelados mordem a beirada do charuto enquanto ele usa as mãos para ajeitar algo nos bolsos – Seu pai arrancou a cabeça do coitado sem piedade alguma. Uma frieza de dar inveja a qualquer cubo de gelo, não acha?

Pandora não responde, encarando os próprios pés. Havia descido ali com a única intenção de dizer toda a verdade a Camilo: que Helena era uma Surda disfarçada, que tinha vindo para matá-la mas não cumpriu a ordem, e que agora negociava com os Surdos. Queria dizer a ele que possivelmente havia Surdos infiltrados no Palácio, e que alguém tinha entrado no Templo e deixado um bilhete... Um bilhete com duas frases muito curtas:

Confie nela. Não confie nele.

Ela observa o movimento oscilante de seus sapatos. Sabia que seu pai costumava chamar o nome de Dantálion durante a noite, um chamado horripilante, que fazia todos os pelos de seu braço se crisparem de terror. Era mais do que um simples nome, era um uivo bestial, era quase o mesmo som que os cães faziam quando estavam morrendo.

Não... Uma pessoa que finge ser amigo de alguém e depois o mata de forma cruel não gritaria daquele jeito. Era um nome pronunciado lentamente por lábios que tremiam de dor. O som de cada letra se espalhava pela casa, atraindo fantasmas invisíveis, demônios, que vinham atormentá-lo toda vez que o sol descia para além do alcance da vista. Dantálion podia não significar nada para ela, mas certamente significava muito para seu pai.

O que levaria Camilo a dizer então o oposto?

Quase como se estivessem estampadas em seus sapatos, ela lê as duas frases:

Confie nela. Não confie nele.

Seus olhos se erguem para Camilo. Ele mantém uma postura desleixada, olhando para o vazio enquanto suga lentamente seu charuto, um leve sorriso de prazer esboçando num dos cantos de seus lábios.

Ele está mentindo. Ele está mentindo descaradamente.

Por quê?

Por quê?

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Pandora (COMPLETO) - Livro III - Trilogia DantálionWhere stories live. Discover now