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Seguem a linha do litoral, Helena correndo como louca pela estrada, Pandora apertando os olhos na tentativa de avistar a barraca rudimentar que lembrava ser sua casa. Os minutos transcorrem tediosamente, o som dos pneus trepidando sobre o asfalto chegando a seus ouvidos como um lamento de derrota. E se a casa não estiver mais lá? E se, depois de tantos anos, a memória estiver apagada, e nunca mais for capaz de encontrar o caminho?

No fundo, ela sabe que não deseja rever a casa.

Não pode provar que sua mãe ainda está viva e, mesmo que esteja, o que faria se a reencontrasse depois de tanto tempo? Como poderia abraçar e beijar o rosto de alguém que se tornou totalmente estranha depois de ter sido a pessoa mais próxima de sua vida? E, acima de tudo, se ela estiver lá, como poderia perdoá-la por tê-la deixado nas mãos de Camilo para morrer?

Seu coração palpita com os tremores da estrada.

Reencontrar alguém que se abandonou há anos certamente é pior do que nunca mais reencontrar...

- É aquela? - Helena pergunta, tirando uma das mãos do freio para apontar uma pilha de madeira parcialmente arrastada para o mar.

- Não.

- Como você pode ter certeza? Você tem astigmatismo.

- Miopia.

- Astigmatismo. Se você tivesse miopia você conseguiria ler.

- Que seja. Tenho astigmatismo, mas não sou idiota. Eu sei reconhecer minha própria casa, e aquilo nem é uma casa. É só um monte de madeira.

- Sua casa pode estar pior do que isso, você sabe...

- Não, eu não sei, e você também não sabe.

Helena solta uma gargalhada que viaja para trás com o vento.

- Eu te adoro de mau humor.

- E eu te odeio de qualquer jeito.

- É sensato.

Pandora desvia os olhos para a linha do horizonte novamente, observando com desinteresse o ponto em que céu e mar se confundem num contorno disforme. Seus pensamentos vagam no meio das ondas, mergulhando e emergindo entre céu e mar, passado e futuro, medo e desejo. O que diria se reencontrasse sua mãe? O que diria se não a reencontrasse?

Seus olhos então se movem automaticamente para a construção em ruínas que passa voando por elas.

- Ali!

- Ali onde?

- Ali atrás! Você passou!

- Pelo amor de Deus, por que não me avisou antes?!

A motocicleta reclina abruptamente sobre a estrada, o asfalto deslizando a poucos centímetros do joelho esquerdo de Pandora. Sem hesitar, Helena acelera em direção ao pequeno declive que separa a estrada da areia, pneus saltando sobre o que resta de uma mureta de concreto, quase derrubando ambas. Em menos de cinco minutos, as ruínas da antiga casa crescem diante do presente.

As paredes de madeira continuam de pé, mais pálidas que antes, cipós e plantas agarradeiras brotando dos vãos. Uma marca escura nas laterais indica o nível absurdo a que o mar chegou em algum ano. Agora ele estava lá, no lugar de sempre, recuado.

- Você já notou que o clima está cada vez mais estranho, Helena?

- Sim, é o que acontece quando destruímos metade do planeta.

- Você acha que as coisas vão voltar ao normal um dia?

- Nós nunca vimos e nunca veremos um mundo normal, impostora. A única coisa que acho é que você está tentando ignorar o assunto principal aqui.

Observando o mar, Pandora evita olhar para a porta da cabana.

- Eu quero que você espere aqui fora.

Helena chuta o apoio da motocicleta, travando-a de pé e sacudindo algumas vezes para ter certeza de que a areia a tinha fixado no lugar.

- Eu vou com você.

- Não vai não, senhora. Seja lá o que estiver lá dentro, eu não quero que você veja antes de eu me assegurar que está tudo bem.

Pandora se move para bloquear seu caminho.

- É minha casa. Eu tenho direito de ver.

- Era sua casa, impostora. Agora é só uma cabana podre e abandonada, e eu não acho que você vai gostar de ver. Você tem todo direito de ver, é claro, mas eu prefiro que espere por meu comando. Olhe pra você! Está tremendo como um ratinho! Eu quero entrar sozinha.

- Por quê?

Helena solta uma lufada de ar pela boca.

- Porque não é minha mãe que estamos procurando. Eu não tenho ligações emocionais com este lugar. - ela lhe dá um tapinha no ombro antes de se afastar - Vigie a moto, está bem? É nosso único transporte. Sem ela estaremos presas, e eu não pretendo apodrecer nesse esboço de quadro surrealista, é medonho demais. É pouco provável que alguém apareça por aqui, aliás, mas, se aparecer, bom sujeito não pode ser.

- O que eu faço se alguém aparecer?

- Faça o que você faz de melhor: grite para que eu venha salvar a donzela em perigo. Ou o donzelo, se preferir.

O ruído dos passos esmagando a areia áspera se afasta, o vento assomando nos ouvidos, o frio da noite cobrindo os últimos raios de sol com nuvens espessas.

Pandora cruza os braços, esfregando as mãos sobre as mangas de couro enquanto Helena desaparece pela porta.

Pandora cruza os braços, esfregando as mãos sobre as mangas de couro enquanto Helena desaparece pela porta

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Pandora (COMPLETO) - Livro III - Trilogia DantálionWhere stories live. Discover now