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- Você me disse que tinha perdido a outra adaga.

Mal haviam saído do chão, os olhos brilhantes de Malphas já estavam cravados nas lâminas que as duas traziam.

- Eu menti. – Lúcio dá um meio sorriso, esfregando as mãos para limpar os grãos de terra grudados em suas palmas – Sabia que você ia querer de volta se soubesse onde estavam.

A mulher avança para Helena, puxando seu pulso para visualizar o metal contra a luz da lanterna.

- Bem, está conservada. Incrível o que podemos fazer quando temos dezoito anos, não? É uma idade mágica em que tudo dá certo. Depois disso é só problema.

- Você fez um bom trabalho. – Lúcio acerta um tapa de leve em seu ombro – É isso que queria ouvir?

- Era fazer um bom trabalho ou sofrer nas mãos de Iago. – Bruno debocha, seu riso freando assim que Malphas o fulmina com ódio – Que bom que você conseguiu. – acrescenta, diminuindo o volume.

Pandora permanece alheia à conversa inútil, focando sua atenção no ponto mais alto do Templo, visível acima das copas das árvores.

Com o sol nascendo do lado oposto, o mármore mais elevado começava a reluzir em seu tom pálido de azul, dispersando raios coloridos pela floresta e, provavelmente, pela cidade toda ao redor do edifício.

- É magnífico, não é? – Lúcio chega ao seu lado, acompanhando seu olhar.

Ela apenas move a cabeça para concordar, os olhos ainda fixos na claridade crescente.

- Como você se sentiu quando as portas se fecharam pela primeira vez e você estava sozinha?

Ela não precisa se virar para saber o que ele quer dizer. De todas as pessoas do mundo, ela era a única que compartilhava da mesma experiência. Ninguém mais saberia o que é ser um Sacerdote, como é morar no Palácio, entrar no Templo, carregar a responsabilidade da Voz nos ombros. E, da exata maneira como ela era a única confidente que ele poderia ter, Lúcio também era o único que saberia exatamente como ela se sentia.

- Com medo.

- Então nós sentimos o mesmo. – ele suspira - É impressionante como as coisas mais belas podem ser as que mais nos enchem de medo. Eu nunca tive medo de andar pelo meio da floresta no escuro, mas sempre tive medo de olhar para o Templo, principalmente durante o dia.

- Meus Auxiliadores disseram que quando você era Sacerdote, olhar para o Templo era proibido.

- E ainda assim muitos o faziam. – ele ri sozinho da recordação de seu primeiro Crime. Aquilo poderia tê-lo levado à guilhotina, se a punição não tivesse recaído sobre a pessoa errada – Você consegue imaginar o motivo pelo qual existia uma lei proibindo que se olhasse para o interior do Templo, Pandora?

Ela aperta os olhos para o edifício azul, agora mais iluminado, confundindo-se com os limites do céu.

- Eu não sei. Parece uma lei inútil, pra ser sincera. O que há de tão secreto num espaço vazio para que ninguém possa ver?

- O vazio.

Pai e filha se entreolham, buscando respostas um no outro.

- Qualquer um que olhe para dentro do Templo verá que ele está vazio, Pandora, e isso é a coisa mais perigosa que pode acontecer.

Ela pondera as palavras, reconhecendo a verdade que já tinha assumido para si mesma há muito tempo. Aconteceria exatamente o mesmo se por acaso sua túnica caísse e descobrissem que ela era uma mulher, e, portanto, incapaz de ocupar o cargo de Sacerdote. Todos veriam que ela estava vazia, e absolutamente tudo que fez, por mais importante que pudesse ter sido, seria imediatamente esquecido. A túnica sacerdotal, rasgada, manchada e abandonada em algum território distante, era como aquelas paredes de mármore: magníficas, deslumbrantes, para disfarçar o grande nada que estava escondido sob elas. Mas, diferente do Templo, ela não era completamente vazia por dentro, era? Pelo contrário, Pandora sentia que, se tirasse sua túnica e revelasse seu interior, o conteúdo que vazaria de dentro de si seria tão volumoso, que provavelmente afundaria a cidade inteira num mar de agonia e desespero. Como a caixa da lenda que lhe dera seu nome, de dentro de um invólucro tão pequeno, poderiam escapar todos os demônios do mundo. E o que sobraria no fundo?

- Foi isso que você viu quando olhou para o Templo?

Pandora se vira para ele, encarando-o com expectativa.

- Foi engraçado. – ele sorri, dando-lhe um curto abraço – Por um momento eu pensei que estivesse vendo a coisa mais horrível do mundo. Mas, no momento seguinte... – ele ergue os olhos para o Templo, atravessando uma distância inimaginável – No momento seguinte eu vi algo mais valioso que o próprio Universo.

- E o que era?

Ele toca os dedos sob os olhos escuros de Pandora, abrindo-os com delicadeza.

- Eu vi a liberdade me olhando de volta. E foram os olhos mais quentes que eu já vi em toda minha vida.

 E foram os olhos mais quentes que eu já vi em toda minha vida

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Pandora (COMPLETO) - Livro III - Trilogia DantálionOnde histórias criam vida. Descubra agora