Bônus - Brian

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Brian:

As vezes, eu olho pra trás e vejo tudo que tive que percorrer pra chegar aqui e um sorriso enorme escapa pelos meus lábios, embora pareça loucura.

Eu sinto falta da minha família. Dos meus tios. Dos meus avós. Todos eles me viraram as costas quando eu disse que nasci no corpo errado.

Mas, eu tenho meus pais. Que apesar de no começo terem tido uma pequena dificuldade em assimilar, me aceitaram. Eles se viraram contra o mundo por mim.

Talvez tenha sido sorte ou privilégio ter pais que me aceitaram, mesmo que tenha exigido um processo complicado e demorado. Hoje eles já me tratam como "filho".

Eu demorei muito pra entender minha real identidade. Foi bem complicado no começo. Na verdade, eu sempre me senti como um menino mas eu me olhava no espelho e não era um menino que eu estava vendo. Eu não era tratado como menino.

Quando contei aos meus pais, foi um choque pra eles. Pra mim também foi. Era estranho me sentir como um garoto e ser tratado como uma garota.

Eu tive uma infância normal, era feliz. Mas foi quando veio a primeira menstruação aos meus doze anos. Foi um choque. Meu corpo começou a mudar, meus peitos começaram a crescer. E dali eu comecei um grande conflito de identidade de gênero. Eu era diferente dos meninos. Eu olhava pra mim e depois olhava pra eles e me questionava: "Por que não sou como eles?"

Aos meus catorze anos, tive uma professora que me orientou sobre. E então, eu passei a pesquisar bastante sobre o assunto e cheguei a conclusão que eu era transexual.
E então resolvi conversar com meus pais. Eu passei uma semana sem dormir direito, me questionando se era a coisa certa a se fazer. Mas eu precisava. Eu precisava ser eu mesmo. Precisava me enxergar. Precisava me olhar no espelho e dizer "Esse sou eu!".

E eu contei. Eles ficaram atordoados e disseram que precisavam de um tempo. E tudo bem, eu os entendia. Eles precisavam do tempo pra assimilar que eles colocaram no mundo um menino num corpo de uma menina. Mas que eles aceitando ou não, eu era aquilo e não podia ser mudado.

Depois de quase três semanas sofridas, que eu pensava que seria rejeitado pelos meus pais, eles me chamaram pra conversar e me aceitaram. Que apesar do baque da notícia, eu seria pra sempre o filho deles e jamais iriam me virar as costas por isso.

E então, a partir dalí fomos em diversos médicos até os meus quinze anos. Eu comecei o tratamento hormonal e aos dezesseis fiz a cirurgia de mudança de sexo. Foi um dos dias mais felizes da minha vida, até o nascimento da minha pequena Ayla.

Eu me senti a pessoa mais realizada do mundo. Eu finalmente me enxergava. Estava satisfeito com o que enxergava. Era eu ali.

Eu me olhava no espelho e só conseguia pensar: "Caramba, finalmente!".

Mas nem tudo são flores, eu também sofri muito. Minha família quando ficou sabendo, todos me viraram as costas. Eles, extremamente religiosos, não podiam aceitar isso na família deles. Eu era bem apagados a todos, eram minha família afinal. Mas no fim aprendi conviver com a ausência deles.

E hoje, sou o homem mais feliz do mundo apesar dos apesares. Tenho uma mulher incrível e linda ao meu lado, e um pequeno fruto de todo nosso amor. Ayla. A cada dia tenho a sensação que ela cresce mais, e ainda tem apenas quatro meses.

— Como você se sente em saber que seu bebê está a caminho? — Pergunto a Nicholas, jogado no sofá ao meu lado enquanto passa os canais da televisão.

— Nervoso, ansioso, apreensivo... Muitas coisas juntas. — Ele dá uma risada. — Ainda mais que não conseguimos descobrir o sexo do bebê. O médico sempre diz que o bebê está ótimo, mas só diz isso.

— As vezes não dá pra ver. Eu e Mia, por exemplo, somente descobrimos que Ayla era menina no sexto mês. Desde a inseminação não escolhemos o sexo então passamos um bom tempo com a dúvida...

— Eu não sei, espero que na próxima ultra já dê pra saber. A cada diz eu fico mais feliz e mais nervoso. — Um sorriso bobo escapa pelos seus lábios, seguido de uma risada. — Dá pra imaginar que eu vou ser pai? Isso é uma doidera.

— Também não me imaginava sendo pai. Nenhum de nós dois, há um tempo atrás, imaginaria. Mas cá estamos...

— A vida nos surpreende, as vezes...

E como surpreende. Tanto eu, quanto Nicholas jamais teríamos ideia que estaríamos hoje onde estamos. Eu, casado com uma mulher incrível e com uma bebê de quatro meses e ele, também casado e esperando um bebê.

Parece que foi ontem que estávamos no ensino médio, que Nicholas odiava a Jade e eu achava Mia uma gracinha...

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