Capítulo 4

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Meus machucados da batalha ainda estavam doloridos, mas as minhas mãos eram o que não me deixava concentrar. Elas ardiam, por mais que não estivessem feridas. Desde que voltei daquela batalha, era como se meu sangue corresse de uma forma diferente, e minhas mãos pareciam ser o local onde esse sangue se concentrava. A sensação não me era estranha. Já havia usado meus poderes, testado eles, vezes o suficiente para reconhecer. Mas tudo sempre foi temporário, e desta vez não foi.

Apertava minhas mãos uma contra a outra quando alguém tirou minha atenção.

— Calynn, o que você acha? — Jennifer perguntou.

Certo, a reunião. Eu estava em uma reunião. Os olhos dos meus irmãos me encararam, assim como os dos conselheiros, e os do meu pai. Milho, eles conversavam sobre milho e a viagem de Duncan à Celina. O que eles iriam levar, milho ou... ou algo que eu não prestei atenção. Ao olhar a Jennifer, seus olhos estavam sérios, mas bem no fundo eu conseguia ver que ela buscava ajuda. À sua frente, folhas e folhas espalhadas, uma delas com cálculos abaixo de um rabisco escrito: benefício M. Limpei a garganta, quebrando o silêncio que se instalou.

— Acho que deveríamos trocar o milho — falei, esperando que não soasse estúpido.

— Estão vendo, — Jennifer continuou antes que me fizessem mais perguntas. — As famílias que precisam do dinheiro são as que vendem o milho. Os barões de café não vão ser prejudicados em nada! Aqui temos a oportunidade de ajudar quem precisa, e não devemos jogar fora apenas porque o senhor fez uma promessa — Ela encarou Gregory, seu olhar mais afiado que uma lança.

— A promessa já foi feita e não deve ser quebrada. Se a palavra do rei não tem valor, qual terá?

É claro que meu pai fez um acordo com os barões, ele sempre os colocava na frente de todos.

— Os barões... — Jennifer trincou o maxilar, tentando se conter. — Não são o povo. Eles não deveriam ser o foco.

— Está bem — interferi, já entendendo a situação. — Apenas mande 80% dos produtos de milho e 20% de café. O resto que o rei prometeu pode ser vendido para a família real de Hécate.

— Era onde eu estava chegando. — Jennifer afundou na cadeira, o elegante vestido chiando.

— Então explique. — Me encostei na almofada lisa, deixando-a falar. Conseguia ver que minha irmã trabalhou para nossa reunião, e eu não queria roubar isso dela.

Se erguendo novamente, Jennifer continuou:

— Queria sugerir para mandarmos o café prometido para outro lugar. Como Calynn sabiamente apontou, Hécate precisa importar seu café e, como nós já experimentamos, não é de boa qualidade. Se oferecermos o nosso, a família real não negará. Todos sabemos como eles gostam de se diferenciar de seu povo, mesmo que seja apenas em uma simples bebida.

Era bom saber que eu e Jennifer estávamos na mesma página, por mais que ela estivesse muito mais focada do que eu durante essa reunião. Era só que... minhas mãos ardiam, meu sangue parecia estranho em meu próprio corpo, eu me contorcia na cadeira como se quisesse me livrar de algo. E eu queria. Minha cabeça ainda pesava com tudo o que aconteceu. Eu ainda podia ser descoberta e aquele menino, não deveria ter levado ele de volta, muito menos dado meu colar. Se alguém reconhecer a peça e me associarem com ele... Fechei meus olhos por alguns segundos, minha mão esfregava minha têmpora, já prevendo a dor de cabeça que viria mais tarde.

Ao abrir os olhos vi que Marcus, um dos trigêmeos, encarava o pratinho de aperitivos ao meu lado. Ele sempre fazia isso, parecia um saco sem fundo, devorando sua comida e depois indo atrás da minha. Empurrei o prato em sua direção, como sempre, e seus olhos escuros brilharam. Essa era uma das poucas intimidades que eu tinha com meus irmãos e não podia negar que eu gostava, era como nosso segredo. Sempre que eu tinha a oportunidade, guardava um sanduíche, um prato, qualquer coisa para Marcus. Era por isso que nas reuniões ele costumava sentar ao meu lado, mesmo que não trocássemos nenhuma palavra. Marcus era esperto, ele sabia que se puxasse assunto eu iria me afastar, então se contentava com esse pequeno segredo. Vi os olhos de ébano de meu irmão se afastarem da comida e voltarem para meu pai, as palavras do rei logo se conectaram em minha cabeça.

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