Capítulo 52

39 3 0
                                    

O dia anterior se passou rápido, rápido demais. Não houve nenhuma celebração já que ontem todos, menos eu e Oliver, acordaram com dores de cabeça e se arrastaram em seus afazeres. Logo o Mar Vermelho nos encontraria, e ninguém queria estar menos que totalmente disposto para o que quer que nos aguardava naquele lugar. Um arrepio tomou conta de mim enquanto eu encarava o horizonte. Se eu sobrevivesse àquela viagem, celebraria por algo pela primeira vez na vida.

O sol se punha atrás de nós quando Oliver me alcançou na proa do barco e eu encostei minha cabeça em seu ombro, não tinha muito o que observar além de mar e neblina. As nossas responsabilidades no navio nos mantinham distantes, o que era algo bom dois dias atrás. Mesmo assim, sempre encontrávamos desculpas para nos encontrar, por mais improvável que fosse esquecer a vassoura na cozinha como eu achava que tinha feito. Ou Oliver procurando algo de sua cozinha enquanto arrumávamos a vela.

Minhas costas doíam depois de dormir duas noites no chão em vez da rede, mas elas eram pequenas demais para os dois. Então, por dois dias tratei o chão como se fosse um colchão de plumas e Oliver fez o mesmo. Por uma questão de dignidade de ambas as partes, nenhum dos dois tentou fazer nada além de beijar o outro. Concordando que o navio não era o melhor lugar. O resto do grupo logo percebeu a mudança entre nós. Liam sorriu como alguém que sabia muito. Auryn me encheu de perguntas sobre o beijo, enquanto Aisha quase desmaiava na rede. Octavia assentiu em aprovação. A notícia pareceu alegrar o dia de todos, mas principalmente de Aisha. Ela parecia flutuar pelo barco sempre que eu a encontrava com aquele sorriso largo no rosto. O sorriso que não estava lá quando ela se juntou a nós na proa do barco, junto com os outros três.

Como eu, todos encaravam o horizonte com olhares pensativos. Alguns minutos se passaram e ninguém disse nada. Me virei para me afastar, deveríamos estar chegando, e a proa não era um lugar muito estratégico.

— Olhem, — Aisha apontou.

A neblina pareceu se abrir em um segundo quando me virei e vi montanhas de pedras escuras ainda muito distantes. Uma abertura grande o suficiente para o nosso barco parecia ser a entrada. Mas nada disso foi o que fez um arrepio percorrer minha espinha. Foi o céu que se misturava com o pôr-do-sol. O nome Mar Vermelho foi dado devido a todos os marinheiros que foram e não voltaram, mas eu não contava com um céu realmente vermelho. Os deuses pareciam sangrar naquele lugar, um bom sinal para ir embora o mais rápido possível. Mas por mais que todos meus instintos gritassem para eu dar meia-volta, eu sabia que só tinha um caminho que eu percorreria, e lá, eu tentaria não sangrar como o céu.

— Bem-vindos ao Mar Vermelho — disse Liam, sem nem tentar esconder suas palavras trêmulas.

----- ••• ----- 

Quanto mais perto chegávamos, mais aterrorizante aquele lugar ficava. Se existisse um inferno, eu imaginava que não seria muito diferente. As montanhas de pedra negra pareciam estalagmites grandes demais para serem reais. Meus ouvidos estavam atentos, mas tudo que eu captava eram as batidas rítmicas do meu coração. Não sabíamos o que nos aguardava, mas a expectativa pairava no ar. Ninguém entrava lá por um motivo.

Aquela sensação de estar sendo observada voltou, e meus olhos procuraram os de Oliver. Ele estava no canto oposto, e quando o vi soltei a respiração que eu não sabia que prendia. Ele assentiu sem ninguém dizer nada, mas eu entendi. Ele estava pronto. Eu assenti de volta, pois eu também estava. Ninguém naquele barco tinha opção além de estar preparado.

Um leve sussurro levou minha atenção para o mar. Uma criança, parecia estar rindo. De nós, todos nós. Algo estava errado. Tudo estava errado, mas algo me incomodava mais. Meu corpo queria ir para frente investigar, mas meus pés se pregaram ao chão. Bem distante do nosso barco, a água se elevava, formando uma onda. A corrente corria para outra direção, mas isso não parecia incomodar aquela onda que vinha na direção do barco, como se ela tivesse vida própria. Ela se formava rápido, ganhava altura.

Coroa de CinzasOnde histórias criam vida. Descubra agora