Capítulo 30

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Todo o cuidado que Oliver tomava cinco segundos atrás foi deixado de lado como um prato sujo. Eu tentava acompanhar seu passo e eu sabia que o jeito que corríamos não era normal. Éramos as sombras das árvores, nossos passos eram o canto da coruja, invisíveis e rápidos o suficiente para fugirmos da luz do luar. Mas quanto mais perto chegávamos, mais distante ficava o silêncio e a paz. Já conseguia observar a fumaça negra que tomava o céu como uma tempestade. Os gritos de horror que eu conhecia da guerra e dos pesadelos que me acordavam de tempos em tempos. Até que Oliver parou, e a imagem na nossa frente era o retrato perfeito do submundo que nossos pais nos avisaram. Era o lugar que devíamos evitar. O vilarejo sangrava e queimava em um grito que chegaria aos Deuses.

— Sobre os poderes... — comecei, mas Oliver não conseguia tirar os olhos da destruição.

— Mate-os todos. — Ele interrompeu.

Em um segundo Oliver estava ao meu lado e no outro ele estava no ar, indo em direção ao caos e sofrimento.

Meus pés entraram em movimento por mais que minha cabeça estivesse em outro mundo. Eu escondia esses lugares de meu pai, agora ele já deve ter achado todos. Eu nunca duvidei que ele faria isso. Quando eu ainda tinha algum controle, os ataques precisavam de um motivo, e eu conseguia esconder os vilarejos, desviar o caminho dos soldados, ou dizer que não era a hora certa para atacar. Agora meu pai estava livre para o que ele quisesse fazer, e foi isso que ele escolheu.

Meus passos se alargavam a cada segundo, passando para uma corrida. Eu queria ter a mesma confiança que essas passadas, pois eu não sabia se teria forças para lutar. Como matar os soldados que por tanto tempo eu protegi? Como matar aqueles que lutaram ao meu lado? Mas como não matar alguém que dizima povos apenas por serem diferentes? Que exterminam vilas inteiras de inocentes.

Eu estava certa desde o início.

Eu não tinha honra.

O lugar era uma mistura de cinza e vermelho. O cheiro fazia meus pulmões gritarem, e eu sentia o toque da fumaça elemental. Eles tinham jogado faz tempo, considerando que o cheiro de limão pairava levemente no ar. Aquela quantidade já não me afetava. Alguém que viveu por anos em um castelo com esse veneno a cada cinco centímetros não sentia tanto o efeito.

Flechas eram disparadas em todas as direções, o sangue preenchia lentamente os caminhos entre os paralelepípedos no chão. Minha atenção foi diretamente para a mulher, ela estava acorrentada por algemas que tiravam os poderes, e defendia um grupo de crianças de um covarde. Minha mão que apertava o cabo de minha espada se soltou. Não havia tempo para armas. Eu abri uma caixinha dentro de mim, e com o movimento de quem puxa uma corda, senti o ar agarrando aquele homem e depois o jogando para chão aos meus pés. Peguei a chave da algema, que eu sabia que ficava no bolso direito da calça, e joguei para a Elemental. Quando ela se soltou, eu arrastei o soldado para onde ela estava, deixando-a escolher o destino dele.

Ao me virar percebi o motivo de tantas flechas voando. Elas tentavam acertar um Elemental que aparecia em um lugar, e um segundo depois estava no canto oposto, não antes de cortar a garganta de um soldado. Ele era tão rápido que era difícil acompanhá-lo apenas olhando. Eu jamais vi ninguém usar uma faca com tanta agilidade. Uma hora os soldados estavam em pé e depois eram cadáveres no chão. Um por um caiam como um castelo de cartas derrubados pela brisa.

Segurando o ar como se fosse um objeto palpável, eu quebrei um por um dos arcos até que não tivesse mais uma flecha voando. Os homens tão focados naquele Elemental se voltaram a mim, como se sentissem de onde vinha aquela energia.

Então eu ataquei.

Tirando a espada na bainha, eu pulei na direção de um soldado, cortando sua garganta enquanto nós dois íamos em direção ao chão. Rolando sobre a pedra para amenizar a queda, eu já sentia a presença do segundo soldado. Eu conhecia aquelas armaduras como a palma de minha mão. Sabia exatamente onde acertar, até porque aqueles eram os lugares que por tanto tempo eu tentei proteger. Ainda estava no chão quando cortei a parte de trás do joelho do soldado ao meu lado, e quando ele se inclinou enfiei a espada no abdômen. Enquanto o homem caia e eu me levantava, desviei do golpe de uma guarda, e abrindo outra caixinha, senti o fogo percorrer minhas veias do mesmo jeito que seguiam um caminho de álcool. Transferi todo esse poder para a cara dela. O grito que ecoou dela podia fazer pássaros voarem. Na minha lateral, outro guarda vinha para me atacar, mas apenas fiz um movimento com o braço que o lançou longe, até ele atingir uma casa e sangue escorrer nas paredes dela.

Coroa de CinzasWhere stories live. Discover now