Capítulo 6

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Meu salto batia na pedra, um ritmo incessante e rápido demais para o meu pé o manter por tanto tempo. Lucinda já havia se retirado já fazia uma boa hora e eu me olhava no espelho dourado e brilhante, com raios de sol tortos distribuídos pelo círculo. Eu me sentia realmente linda, mas havia algo no meu rosto que me incomodava. Não sabia apontar exatamente qual era o problema, mesmo que já tivesse um bom tempo que algo me incomoda. Eu tinha a impressão que estava em meus olhos, algo obscuro que permanecia nessa região, mas nunca consegui tirar conclusões certeiras. Apenas desviava para algo mais interessante, como fazia agora mesmo.

Mathias deveria estar aqui. Ele não aparecia desde o incidente no campo, o que fazia a raiva borbulhar em mim cada vez mais forte, eu já escutava as bolhas estourando. Coragem era tudo o que eu precisava, algo que as pessoas supunham que eu tinha de sobra. Eu só não sabia se eu tinha suficiente para perder ele.

Com um suspiro, saí do meu quarto, onde dois guardas estavam parados, tentando ser um vaso de planta para os meus olhos. Me voltei para a escada dos empregados, já conseguia ouvir as conversas e risadas distantes junto com os sons de carruagens amassando pedras e trabalhadores cuspindo ordens de um lado para o outro.

— Precisa de algum acompanhante, Vossa Alteza? — um dos guardas me perguntou, fazendo meu pé parar no caminho. 

— Não, — disse ao me virar, minha voz cortando o ar, um tom que não era direcionado para eles. — Não vai ser necessário, obrigada.

Voltando para a escadaria escura, meus pés se afundaram no chão até onde eu sabia serem os aposentos de Mathias. Meu vestido azul-escuro era de veludo para me proteger do frio, por mais que os braços não fossem cobertos. Eu tinha um manto que poderia muito bem usar, mas queria sentir o frio, a dor de mil agulhas em minha pele.

Após atravessar vários corredores com empregados andando de um lado para o outro, e surpreendentemente não se trombando, cheguei à porta que eu queria. Era o ponto mais perto do prédio dos soldados. E lá fora nevava levemente, o que era até incomum nesse ponto do inverno, mas eu não estava reclamando. 

Entrando no prédio, me direcionei para as escadas que eu já conhecia. Tudo estava em silêncio, o que não era surpresa alguma. Todos os guardas do castelo estavam ocupados hoje, aparentemente apenas Mathias não estava. O prédio era pedregoso, sem luxo, com apenas o básico, como os sofás em diversos pontos do ambiente, os bancos de madeira, e mesas bambas e arranhadas que eram espalhadas por onde quer que tivesse espaço. Subindo até o terceiro andar, me pus a andar no corredor escuro com cheiro de mofo e homem, quando algo se enroscou no meu pulso. Apenas ouvi o som da minha adaga cortar o ar e roçar na pele pálida e macia de quem quer que me tocava. O cabelo dourado, um pouco mais claro que o meu espelho, caía sobre os ombros de Derek, seus olhos verdes, aqui na escuridão, eram pretos. Ele me soltou, e suas mãos foram para o ar em rendição. Movimento tão sutil de quem sabia muito bem que eu não estava brincando. 

— Princesa Calynn, você não deveria estar aqui.

— Mathias está atrasado — expliquei, abaixando a adaga de ametistas.

— Eu sei, ele...

Atrás de nós, uma porta se abriu e em um solavanco, Derek me puxou para a parede que ia para outro corredor, as sombras nos engolindo. A mistura da luz pálida do luar junto com a luz quente de velas invadiu o corredor que eu antes estava, enquanto Mathias saiu de seu quarto com braços ao redor de seu pescoço. Ele e outra mulher se beijavam ferozmente, como se aquela fosse a última vez, até que Mathias se afastou. Ela não podia ser muito mais velha que eu, seus cabelos loiros caiam em ondas no algodão amassado de sua camisola.

— Preciso ir — ele sussurrou.

— Eu sei, — a jovem suspirou. — Quando vai se livrar dela, mesmo? — A cara de choro foi embora e um sorriso se abriu torto e cheio de malícia.

Coroa de CinzasWhere stories live. Discover now